quarta-feira, 6 de junho de 2012

Vida de Jornalete (Paródia de Vida de Empreguete)


Todo dia acordo cedo, moro longe do emprego
Quando chego da minha pauta, quero ir pro bar
Tá sempre cheia a Redação, eu faço texto e ligação
E o editor quer ver defeito até onde não há

Queria editor aqui no meu lugar
Eu ia rir de me acabar
Queria editor aqui no meu lugar
Com cinco pautas pra entregar

Minha colega quis mostrar serviço pro editor dela
Ficou só com a metade da matéria
A repórter jovenzinha, gostosinha e empolgada
Só sabe reclamar, nunca faz nada

Queria editor aqui no meu lugar
Eu ia rir de me acabar
Queria editor aqui no meu lugar
Com pauta REC pra entregar

Refrão

Só porque sou jornalete eu pego às 7
Fim de semana eu calço tênis pra ir trabalhar
Um dia eu ganho a mega sena, viro socialite
E o colunista social vai ter que me aturar


PS: Agradecimentos especiais para Carla Azevedo e Kezia Carvalho que deram a ideia da paródia. 

sábado, 21 de abril de 2012

“Eu sinto como se a gente nunca tivesse terminado”

Assim, Marisa Brito resumiu um dos momentos mais aguardados da música paraense: a volta, ainda que só por uma noite, da saudosa A Euterpia! O local não poderia ser mais adequado: o palco do Café com Arte, que já protagonizou shows inesquecíveis da banda em meados dos anos 2000. E o combo A Euterpia + Café com Arte tem um significado especial pra mim: foi por causa da banda, pra ouvir ao vivo as músicas que eu já curtia pela rádio, que comecei a frequentar o Café e a mudar, definitivamente (amém!), minha vida social - e musical. Parei de ir às "boatchys", aos pagodes, aos forrós e sertanejos (meldeos!). Eu vivia "drogada" e hoje estou curada. Aleluia, irmãos! Mas enfim, vamos voltar ao show.

O público... (gente, que público!). Não lembro de ter visto algo assim na vida. Lembrei logo do filme O Homem do Futuro em que a máquina do tempo transporta todo mundo para a mesma festa e tudo continua ali, do mesmo jeito. A diferença é que ontem, mesmo com tudo parecendo igual como era antes, todos já estavam cinco anos mais velhos, pelo menos. Mas a paixão por Euterpia continua a mesma. Não há dúvidas! Todos ainda sabiam cantar cada verso de cada música. Pularam, gritaram, se emocionaram. Já eu mal conseguia me mexer, por incrível que pareça. Influência do cansaço, claro – afinal, show do Felipe Cordeiro uma hora antes é pra destruir qualquer pé. Mas a verdade é que eu fiquei hipnotizada. Ver a Marisa com a mesma presença de palco (com certeza, uma das melhores que já vi) fez um filme enorme passar pela minha cabeça durante o show. Confesso que às vezes senti até vontade de chorar. Reviver e relembrar meus 17, 18 anos e tudo de mais lindo que aquele tempo me trouxe, foi uma experiência incrível. Acho que quando inventarem o teletransporte vai ser mais ou menos assim.

Deixando de lado Arrigo Barnabé e Veneza, que são clássicas e, óbvio, deixaram todos enlouquecidos no Café, o momento mais surreal pra mim foi a Marisa cantando Lusco Fusco. Aí foi nostalgia injetada na veia! Fechei os olhos e sumi dali. Sei lá em que mundo fui parar, só sei que foi assim: lindo!

O show foi curto, algumas músicas ficaram de fora porque a banda não estava completa e quase não tiveram tempo de ensaiar e blábláblá. Foi mesmo uma participação especial, como dizia no cartaz da festa. Mas acredito que todos tiveram a mesma sensação que a Marisa: a banda parecia nunca ter terminado. Parecia nunca ter parado de tocar o repertório consagrado. Os anos pareciam não ter passado. E a Marisa (aquela fofa!) estava tão à vontade quanto antes. Saudade tem dessas coisas.

Impossível não pensar nas clássicas perguntas “Por que acabou? Será que nunca mais volta?”, mas, como a própria Marisa disse, é bom saber que estão todos bem, felizes, seguindo outros caminhos e realizando outros sonhos. Só tenho a agradecer à Euterpia, à Marisa e ao Café por terem atendido ao meu pedido – que fiz por várias vezes, durante todos esses anos, bem baixinho, quase como uma prece. Muito obrigada, de verdade! Foi inesquecível! E, claro, voltarei a pedir por outros momentos como o de ontem. Vai que...

sexta-feira, 2 de março de 2012

A Vida da Gente – Mais Um Capítulo da Nova Teledramaturgia Brasileira

O que dizer sobre A Vida da Gente? Uma novela que mexeu tanto comigo, mas tanto, que nem sei por onde começar. Talvez seja melhor começar pelo óbvio, pelo começo. Então vamos lá!

Eu tive a imensa sorte de acompanhar a novela desde o início, desde os primeiros capítulos, tentando recompensar o fato de não ter conseguido assistir à Cordel Encantado – que antecedeu A Vida da Gente e recebeu rasgados elogios dos telespectadores, incluindo minha irmã e minha mãe. No início, o que mais me chamou atenção em A Vida da Gente foi o fato de que os personagens pareciam ser reais, tirados da própria realidade. A relação de amor, cumplicidade, companheirismo, carinho e respeito entre as personagens irmãs Ana (Fernanda Vasconcellos) e Manu (Marjorie Estiano) parecia ter sido inspirada na minha relação com a minha irmã. Como assistíamos juntas, por diversas vezes nos emocionamos e choramos ao ver as lindas cenas entre a Ana e a Manu, porque lembrávamos da gente, da relação de irmãs que construímos desde a infância e que pouquíssimas vezes eu vi em outras famílias.

Mas não eram só as irmãs da trama que pareciam ter sido tiradas da realidade. Em uma conversa de bar, eu e minhas amigas chegamos à conclusão de que conhecemos na vida real pessoas que faziam o tipo dos personagens da novela. A Eva (Ana Beatriz Nogueira), por exemplo, é cruelmente real. Claro que na novela há um certo exagero nos personagens, porque enfim, é um telenovela. Mas muitas vezes me flagrei rindo ou até mesmo chorando ao ver cenas da Eva porque algumas, caramba, eram parecidas demais com cenas que eu já vi ao vivo e a cores, infelizmente! A verdade é que existem, sim, mães e pais como a Eva, quase ou no mesmo nível de loucura. A Vitória (Gisele Fróes), mãe da Sofia e da Bárbara na novela, também é outra que não é surreal, impossível. E o que dizer da Cris (Regiane Alves), mãe do Tiago? Do tipo dela nós encontramos muito por aí, geralmente em baladas de domingo a domingo e geralmente bem mais novas do que deveriam ser.

A Vida da Gente foi uma novela centrada nas mulheres, em que as elas eram o centro dos acontecimentos, as protagonistas das mais variadas histórias familiares exploradas na novela. E foi uma trama essencialmente familiar, justificando assim o título – e também a abertura. Com núcleos pequenos e interligados, A Vida da Gente mostrou exemplos muito concretos das novas famílias contemporâneas, com a figura do padrasto/enteado, da avó que atua como mãe, dos pais adotivos, dos irmãos de criação, dos pais solteiros... E provavelmente por isso, também, tenha feito tanto sucesso. Porque era impossível não ter o mínimo de identificação com algum personagem, mesmo que a identificação fosse do outro e não de si mesmo. Nem as novelas escritas por Manoel Carlos – famoso por fazer tramas centradas na realidade – conseguiu ser tão pé no chão quanto essa, explorando situações cotidianas de forma real, sem superestima, sem enrolação, sem excessos de personagens e sem a insuportável figura da Helena.

Fora que boa parte dos atores escolhidos para os personagens trabalhou tão bem, tão bem, que chegou a me surpreender. A Marjorie Estiano, por exemplo, conseguiu dar vida própria à Manu. Era quase impossível não chorar quando a Manu chorava e não rir quando a Manu ria. Marjorie e Fernanda (que melhorou bastante como atriz, por incrível que pareça) protagonizaram algumas das cenas mais fortes, emocionantes, tocantes e inesquecíveis da teledramaturgia. A cena do acidente, do choque emocional, da briga – que rendeu mais de 8 minutos de cena que, de tão emocionantes, a gente nem sentiu o tempo passar -, da reconciliação... cenas incríveis que dificilmente serão esquecidas por quem as assistiu. Outro destaque de atuação vai para a pequena Júlia (Jesuela Moro) que, no mínimo, é uma menina muito obediente, porque ela fez direitinho tudo o que era pra fazer. Foi encantadora e sapeca quando tinha que ser, chata e mimada quando precisou, alegre e sorridente também, e até no momento de ficar doente ela conseguiu impressionar. Ela fez tudo parecer natural, real e fez todo mundo querer ter uma filha que nem ela. E a Eva... essa merecia prêmio de melhor atriz coadjuvante, porque olha... arrasou!

Há algum tempo, a Globo tem usado o horário das 18h para a renovação: desde a escolha de novos dramaturgos, passando pelo teste de novas câmeras e novos ângulos, até chegar ao figurino. Deu certo com Cordel Encantado e deu certo com A Vida da Gente. Em uma discussão em sala de aula, na disciplina de Introdução ao Telejornalismo, cheguei a comentar sobre essas mudanças e a professora afirmou que, possivelmente, isso é reflexo da chegada da TV Digital à vida de mais e mais brasileiros. E o horário das 18h está servindo de incubadora para novos projetos em teledramaturgia. É bem possível que os novos dramaturgos utilizados para esse horário sejam, em breve, os novos dramaturgos do horário das 21h. Não é de hoje que este horário tem andado deficiente, com falhas graves nos textos e nas execuções, tramas fracas e apelativas demais, a exemplo da atual novela das 9, Fina Estampa, escrita por Aguinaldo Silva. O próprio Manoel Carlos talvez esteja precisando se aposentar, porque tem errado demais ultimamente. As novelas da 9 continuam tendo boa audiência porque são novelas das 9 e só. E mesmo assim já existe um diagnóstico de crise no horário há algum tempo.

Como disse o Tiago Paolelli, em um comentário no Twitter, A Vida da Gente tinha um texto muito bom e uma fotografia incrível, pouco vista em outros horários de outras novelas. Não vai demorar muito para que Lícia Manzo, autora de A Vida da Gente, seja usada em horário nobre. Inclusive, eu acho, sinceramente, que a novela deveria ser reprisada no horário das 21h para que mais e mais pessoas tivessem a oportunidade de ver uma boa telenovela, um exemplo de como as outras devem ser a partir de agora. E não é à toa, não é por simples fanatismo por telenovelas bem trabalhadas, que eu quero – e provavelmente vou – utilizar A Vida da Gente como estudo de caso para o meu TCC. Boa sorte pra mim e boa sorte para Amor, Eterno Amor, que já começa na próxima segunda com uma responsabilidade enorme pela frente: a de manter o padrão altíssimo das duas últimas telenovelas das 6!

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O "Jornalismo" em Santarém

Como muitos já sabem, estou participando de uma pesquisa de Iniciação Científica com foco nas regiões do Baixo Amazonas e Carajás e, basicamente, é necessário que eu conheça um pouco mais sobre os produtos midiáticos dessas regiões, incluindo, por exemplo, os jornais impressos. O meu colega de pesquisa, Adrielson Acácio, foi a Santarém no ano passado e gentilmente trouxe três dos principais jornais que circulam pela região do Baixo Amazonas. Um deles é o jornal O Impacto que traz na capa a seguinte descrição: “Polêmico, Atualizado, Audacioso, Corajoso e Verdadeiro”. O jornal custa R$ 2,00 (sim, dois reais!), possui 32 páginas e circula em Belém, Santarém, Alenquer, Aveiro, Juruti, Itaituba, Novo Progresso, Oriximiná, Óbidos, Rurópolis, Belterra Altamira, Placas, Curuá, Uruará, Porto de Moz, Terra Santa e Monte Alegre.

Depois de ler algumas matérias, fiquei muito impactada (já que o jornal se chama O Impacto, né, faz sentido) de ver o quanto os textos são mal escritos, mal editados e de uma chapa branca que eles nem se esforçam em disfarçar. Até então, eu achava que boa parte das matérias desses jornais eram escritas e editadas por jornalistas – formados ou não. Mas depois que eu li o que eu li, retiro as minhas antigas suposições. Se um dia eu for professora do curso de Jornalismo, vou usar essas matérias como exemplo de “como NÃO fazer”.

Engraçado como apenas cinco parágrafos foram capazes de me fazer relembrar de todos os conceitos e técnicas de Jornalismo que eu aprendi em três anos de faculdade (até agora) e que definitivamente não foram aplicados nesta matéria transcrita abaixo:

Aveiro

SECRETÁRIO MUNICIPAL DE ADMNISTRAÇÃO VISITA VILA DE FORDLÂNDIA

O prefeito Ranilson do Prado desde o início do seu governo tem dado atenção especial a vários setores da administração pública que estavam no esquecimento pelos governos passados, como saúde, educação e infraestrutura. Tanto é, que vários logradouros públicos já foram recuperados, bem como outros foram construídos, como é o caso da Praça da Vila de Fordlândia que está sendo construída com uma arquitetura moderna, feita pela artista plástico Apolinário.

Na última segunda Feira (10), pela parte da manhã, o Secretário de Administração do município de Aveiro, André Paxiuba, esteve pessoalmente a Vila de Fordlândia, acompanhando de perto os trabalhos da Praça daquela Vila que está sendo construída pela Prefeitura.

A obra está sendo feita com recursos da própria prefeitura de Aveiro. O secretário André Paxiuba conversou com o responsável pela obra, o artista plástico Apolinário, que na ocasião, informou que a expectativa é de que a praça seja inaugurada no dia 25 deste mês, quando acontece a tradicional festa do Balão Vermelho em Fordlândia.

A respeito da recuperação do antigo galpão construído pelos Americanos, que fica localizado no trapiche da cidade, André Paxiuba disse que a Prefeitura já comprou 2.482 pedaços de vidros, que serão colocados nas janelas do Galpão. Ele acrescentou que por serem vidros bem temperados e especiais, o trabalho está sendo mais demorado, porém, vai ser executado pelo poder público municipal.

Conversamos com o artista Apolinário, que falou de sua alegria em trabalhar com o atual Secretário, que em sua opinião é uma pessoa educada e atenciosa. André Paxiuba é tido até por parte da oposição como uma pessoa humilde e de bom coração, sendo que como Secretário, está desempenhando um papel fundamental no governo de Ranilson Prado.

P.S: A matéria foi transcrita exatamente da forma como foi publicada no jornal, com todos os erros, discordâncias e puxa-saquismos. A impressão que dá é a de que a função de Editor é inexistente (e a de repórter também, diga-se).

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Só no cafezinho... Ô Ô

O Tico e o Teco da minha mente aproveitaram o Halloween e se fantasiaram de @Duda_rangel e @pedrox ao mesmo tempo. Aí deu nisso!


Paródia de “Só no Sapatinho” inspirada na minha atual situação de vida:


Ela chega acabada e sonolenta, todo mundo logo escuta seu ronquinho pelo ar

Ela dorme de um jeitinho diferente, abre a boca e fecha os olhos, vai caindo devagar

Essa gata tem um sono bem profundo, pode até cair o mundo que ela não vai acordar

O coleguinha até trás um cafezinho, ela acorda um pouquinho e depois sai pra trabalhar


Só no cafezinho... Ô Ô

Só no cafezinho... Ô Ô

Só no cafezinho... Ô Ô

sábado, 29 de outubro de 2011

O Palhaço, de Selton Mello: mas é pra rir ou pra chorar?

Li uma semana antes da estreia do filme, em algum site que não me lembro qual, que Selton Mello escreveu o roteiro de O Palhaço em meio a uma crise pessoal, de não mais saber se ele ainda estava trilhando o caminho certo, se o cinema, a profissão, ainda poderiam acrescentar algo de novo na vida dele, sem saber se ele ainda queria fazer o que faz. Coincidência ou não, o personagem principal do filme - Benjamin, o palhaço Pangaré, é alguém que não sabe se ainda quer fazer o que faz tão bem: fazer o público rir. Benjamin é um palhaço que, fora dos palcos, está sempre cheio de tristeza e melancolia nos olhos e no sorriso. Fora dos palcos, a sua graça está na vida sem graça que leva.

Inicialmente, Rodrigo Santoro deveria ser o ator que assumiria o papel principal, segundo a vontade do próprio Selton (roteirista e diretor do filme). Mas Santoro, envolvido com outros projetos, precisou recusar a proposta. Selton então fez o que deveria ter feito desde o início: decidiu que iria interpretar o personagem que ele mesmo criou. Sim, foi com certeza a mellhor escolha que fez. Porque Selton dá vida ao Benjamin de forma tão natural que em certos momentos eu já não sabia se aquele olhar (que me partia o coração) era de Selton ou de Benjamin. E é óbvio que, em se tratando de Selton Mello, isso não significa que ele só saiba interpretar personagens parecidos com ele mesmo. De jeito nenhum! E nem preciso citar aqui os vários trabalhos em que o ator provou seu talento, que, como eu já disse uma vez, ultrapassa o limite do bom senso. Mas significa, sim, que ele conhecia muito bem o personagem que criou e interpretou. Conhecia tanto que fez com que o público não soubesse, em certos momentos, o que era ficção e o que era realidade.
Benjamin é um tanto quanto ignorante. Mas, por mais que ele diga que os problemas dele concentram-se em comprar um ventilador e/ou encontrar um sutiã velho pra amiga, ele inconscientemente sabe que os problemas vão muito além dessas coisas tão pequenas. A vida itinerante do circo, a falta de um lugar fixo, a falta de estudos, o calor das cidades pelas quais precisa passar, não poder conhecer outras pessoas além das que trabalham no circo... Tudo isso constrói o personagem e o público consegue sentir e se comover com o peso da vida que Benjamin carrega nas costas.
‘O Palhaço’, que é recheado de cenas lindas do interior do Brasil, concentra-se na psicologia dos personagens e explora muitíssimo bem o olhar de alguns deles. De alguns, porque nem todos têm tanto assim a dizer através dos olhos. A menina (filha de um casal de artistas do circo e que é a cara da Radija, de O Clone) carrega no olhar toda a inocência, a ingenuidade e o encatamento típicos de uma criança. Fascinada pela vida circense, o filme mostra o crescimento e o envolvimento dela junto ao circo e aos integrantes do circo. É ela quem observa e aprende tudo sem dizer nada. É uma lindinha!
E o que falar da presença de Paulo José no filme? Nas últimas entrevistas e matérias que li sobre ele, soube o quanto tem sido difícil atuar estando cada vez pior do Mal de Parkinson. Mas, ao mesmo tempo, trabalhar tem sido a terapia do ator. E enquanto ele puder fazer o que faz tão bem, o público, obviamente, será o principal beneficiado. Uma das estratégias usadas pelo ator para controlar as tremedeiras causadas pela doença, tem sido a de sempre movimentar os braços, segurar em objetos e, no cinema, a de trabalhar em plano americano para que a câmera não flagre os frenéticos movimento das mãos e dos braços. Tudo isso tem funcionado muito bem, e comovido bastante também.
Selton Mello e Paulo José nunca haviam trabalhado juntos. ‘O Palhaço’ foi a primeria oportunidade que os dois puderam ter. Uma grande ironia da vida. Ou melhor, da arte. No filme, Paulo José dá vida ao palhaço Puro Sangue, pai de Benjamin, o palhaço Pangaré. Os dois contracenam no palco do circo, em cenas hilárias e muito bem feitas e interpretadas. Selton e Paulo José transparecem uma sintonia pouco vista no Cinema. E, de novo, o olhar torna-se essencial: a cumplicidade e parceria entre os dois, enquanto pai e filho, enquanto Selton Mello e Paulo José chega a arrepiar os que conseguem perceber.
Definitivamente, Selton Mello nasceu pra fazer cinema (de todos os jeitos possíveis). E espero que, com o sucesso de ‘O Palhaço’, ele perceba que ainda pode, sim, se superar, se desafiar, se surpreender consigo mesmo. A gente agradece, e muito!


*Se for mesmo escolhido para disputar o Oscar 2013 de Melhor Filme Estrangeiro, "O Palhaço" terá a difícil missão de enfrentar o francês "Intocáveis", mas confesso estar otimista. De uma forma geral (que é o que conta nessa categoria), O Palhaço tem vantagens sobre Intocáveis, como a trilha sonora, a fotografia, o roteiro... Mas disputar com o eterno favoritismo francês não vai ser tarefa fácil. De qualquer forma, qualquer um dos dois merece, e muito, a estatueta. Os dois são sensacionais!

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

"Amazônia: uma história de perdas e danos, um futuro a (re) construir", de Violeta Refkalefsky

Segue abaixo o estudo realizado pela socióloga paraense Violeta Refkalefsky, que foi publicado no site da Scielo (Scientific Eletronic Library Online) e que me foi apresentado pela primeira vez pelo professor Agenor Sarraf. O trabalho é de 2002 e aborda a história social e econômica da Amazônia, com as perdas e os danos sofridos desde a chegada do primeiro europeu à região, Vicente Pinzon. O estudo esclarece questões essenciais sobre o "desenvolvimento" da Amazônia. Questões que podem ser facilmente relacionadas, por exemplo, à Hidrelétrica de Belo Monte, à ideia de separatismo do Estado do Pará, aos impactos causados (e visíveis até hoje) pelos grandes projetos desenvolvidos aqui na região. Enfim, aos que se interessam pelo assunto, vale a pena conferir este trabalho:

A história da Amazônia tem sido uma trajetória de perdas e danos

A HISTÓRIA da região tem sido, da chegada dos primeiros europeus à Amazônia até os dias atuais, uma trajetória de perdas e danos. E nela, a Amazônia tem sido, e isso paradoxalmente, vítima daquilo que ela tem de mais especial — sua magia, sua exuberância e sua riqueza.

Não se trata de uma queixa, mas de uma constatação simples: a Amazônia foi sempre mais rentável e, por isso, mais útil economicamente à Metrópole no passado e hoje à Federação, do que elas o tem sido para a região. A Amazônia foi no passado "um lugar com um bom estoque de índios" para servirem de escravos, no dizer dos cronistas da época; uma fonte de lucros no período das "drogas do sertão", enriquecendo a Metrópole; ou ainda a maior produtora e exportadora de borracha, tornando-se uma das regiões mais rentáveis do mundo, numa certa fase. Na Segunda Guerra Mundial, fez um monumental esforço para produzir borracha para as tropas e equipamentos dos Aliados. Mas é mais recentemente que ela tem sido mais explorada: seja como fonte de ouro, como em Serra Pelada, que serviu para pagar parte da dívida nacional, deixando na região apenas as belas reproduções das fotografias que percorreram o mundo, mostrando a condição subumana do trabalho dos homens no garimpo; seja como geradora de energia elétrica para exportar para outras regiões do Brasil e para os grandes projetos, que a consomem a preços subsidiados, enquanto o morador da região paga pela mesma energia um preço bem mais elevado; seja como última fronteira econômica para a qual milhões de brasileiros têm acorrido nas últimas décadas, com vistas a fugirem da persistente crise econômica do país, buscando na Amazônia um destino melhor (o que, infelizmente, poucos encontram).

E, se poucos migrantes têm conseguido ascender socialmente no novo lugar de destino (a Amazônia), em compensação, devido à histórica política de abandono das classes pobres pelo Estado brasileiro, a região vem se convertendo desde as últimas décadas num espaço onde se registram o conflito no campo, a miséria urbana e o desperdício de recursos naturais. Embora seja, talvez, a maior província mineral de todo o planeta e produza ferro e outros minérios, ajudando o país a manter sua balança comercial, pouco se tem beneficiado das exportações em geral, já que a maioria dos impostos não fica retida na região.

Se a Amazônia tem gerado riqueza, a riqueza não se vê nem se fixa nela. É verdade que tem havido um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da Amazônia nas últimas décadas. No caso do Pará, por exemplo, onde houve um crescimento econômico expressivo, no ano de 1975 o PIB era US$ 2,408 bilhões e em 1987 havia ascendido a US$ 5,332 bilhões, o que significa um fantástico aumento de 121% no período. No entanto, como o crescimento da população foi igualmente grande (face à migração), a renda per capita que era de US$ 946,83 em 1975 passou para US$ 959,01 em 1987, com um crescimento relativo de apenas 1,29% no período. Em contrapartida, os recursos naturais da Amazônia vêm sendo engajados nesse esforço de exploração da região pela União com uma força extraordinária e com grande desperdício, já que é justamente para explorá-los a custo baixo, ou próximo de zero (como no caso da floresta), que os novos capitais vêm se dirigindo nas últimas décadas para a região.

Ao longo de sua história, a Amazônia tem gerado sempre mais recursos para fora (Metrópole e Federação) do que tem recebido como retorno; tem sido, permanentemente, um lugar de exploração, abuso e extração de riquezas em favor de outras regiões e outros povos. Mesmo nos últimos trinta anos, quando grandes investimentos foram feitos em infra-estrutura, estes visaram possibilitar a exploração de riquezas em favor da Federação.

Uma história construída entre o mito e a violência

O primeiro europeu a pisar as terras amazônicas, o espanhol Vicente Pinzon (em janeiro de 1500), percorreu a foz do Amazonas, conheceu a ilha de Marajó e surpreendeu-se em ver que se tratava de uma das regiões mais intensamente povoadas do mundo então conhecido. Ficou perplexo vendo a pororoca e maravilhado com as águas doces do mais extenso e mais volumoso rio do mundo. Foi bem acolhido pelos índios da região. Mas, apesar de fantástica, sua viagem marca o primeiro choque cultural e o primeiro ato de violência contra os povos da Amazônia: Pinzon aprisiona índios e os leva consigo para vender como escravos na Europa.

A viagem de Orellana (em 1549) instaura o momento fundador dos primeiros mitos, como o das Amazonas — índias guerreiras, bravas habitantes de uma aldeia sem homens. Outros viajantes, aventureiros e exploradores que procuravam riquezas espalharam mundo afora mitos e fantasias. De todos, o mito mais persistente parece ter sido sempre o da superabundância e da resistência da natureza da região: florestas com árvores altíssimas que penetravam nas nuvens, frutos e flores de cores e sabores indescritíveis, rios largos a se perderem no horizonte (povoados de monstros engolidores de navios nas noites escuras), animais estranhos e abundantes por todo o chão; pássaros cobrindo o céu e colorindo-o em nuvens de penas e plumas de todas as cores.

A viagem de Orellana inaugura, também, o ciclo dos mitos sobre a Amazônia. Refiro-me aos mitos construídossobre a região pelo olhar e a alma do estrangeiro, a partir de uma visão da terra e da gente da Amazônia fundada no imaginário do homem de fora da região. Desde então, a Amazônia tem sido definida, interpretada, explorada, amada e mal-amada a partir do olhar, da expectativa e da vontade do outro. As primeiras viagens dos estrangeiros iniciam, também, um ciclo dos preconceitos que, desde então, nunca mais abandonaram essa visão, fortemente distorcida, sobre o homem e sobre a região, eivada de preconceitos que ficaram colados nela desde os primeiros momentos.

Os primeiros conquistadores e colonizadores não se conformaram em ver aquela terra, que lhes parecia ser o paraíso terrestre, ocupada por povos que julgavam bárbaros, primitivos, rudes, preguiçosos e, possivelmente desprovidos de uma alma! Dos primeiros séculos da colonização aos governantes, políticos e planejadores dos dias atuais, a história da Amazônia tem sido o penoso registro de um enorme esforço para modificar aquela realidade original. Trata-se de uma tentativa de domesticar o homem e a natureza da região, moldando-os à visão, à expectativa de exploração do homem de fora (estrangeiros no passado, brasileiros e estrangeiros no presente).

A história dos homens na Amazônia tem sido construída a partir de dois eixos norteadores, mas conflitantes: de um lado, a visão paradisíaca criada pela magia dos mitos da região e sobre a região; de outro, a violência cotidiana gestada pela permanente exploração da natureza e desencadeada pelos preconceitos em relação a ambos — homem e natureza.

Ao longo de quatro séculos (1) perdeu-se, gradativa mas persistentemente, a identidade original do homem e os referenciais da vida anterior, face aos sucessivos e constantes choques culturais. Hoje, o homem da Amazônia procura reconstruir, sem cessar, um nova identidade e uma nova forma de vida que lhe possibilitem harmonizar uma nova cultura com a conservação da natureza, os benefícios e o usufruto do progresso técnico e científico do mundo moderno.

Preconceitos, mitos e equívocos do final do século

Ao longo do século XX, outros mitos (e também, equívocos e preconceitos) juntaram-se àqueles dos primeiros séculos. A Amazônia foi considerada como a terra da superabundância e o celeiro do mundo. Estrangeiros e brasileiros imaginaram que uma floresta tão exuberante devia estar sustentada por um solo igualmente fértil. Assim, a Amazônia poderia ser, no futuro, o celeiro do mundo - um lugar bíblico ao qual, no período de escassez, como ocorreu no passado, todos poderiam recorrer para dele sobreviver. Posteriormente, fizeram-nos acreditar que a Amazônia seria o pulmão do mundo.

A análise dos planos, programas e projetos federais dos últimos 35 anos permite enumerar uma série desses equívocos e distorções (2). Destacarei aqui aqueles que estão mais evidentes e presentes nas políticas públicas para a Amazônia.

Equívocos sobre a natureza da Amazônia

Gostaria aqui de citar pelo menos três grandes equívocos que estão presentes e bastante destacados nos planos e projetos dos últimos 35 anos:

  • A Amazônia seria um macro-sistema homogêneo de floresta, rios e igarapés em toda a sua extensão;
  • A natureza em geral, e a floresta em especial, seria a expressão do primitivismo e do atraso regionais; os planos governamentais estimulam, sempre, sua substituição por atividades ditas "racionais", produtivas;
  • A natureza amazônica seria resistente, superabundante, auto-recuperável e inesgotável.

Evidentemente, nenhum desses pressupostos tem fundamento. Somente no que concerne à biodiversidade dos seus sistemas florestais, a Amazônia conta, grosso modo, com dois grandes tipos de ecossistemas: as florestas de áreas inundáveis (com várzeas, igapós e mangais) e as florestas de terra firme (com florestas altas e densas, florestas baixas, florestas de encostas; campos naturais, savanas, cerrados e lavrados).

O modelo econômico posto em ação na região tem ignorado e menosprezado a diversidade dos inúmeros ecossistemas amazônicos. Na prática, a Amazônia brasileira tem sido considerada nos planos governamentais como um sistema natural homogêneo em seus quase cinco milhões de km2.

A maior riqueza da Amazônia — sua biodiversidade — tem sido, na prática, ignorada, questionada e combatida sistemática e implacavelmente pelas políticas públicas. Essas políticas estabeleceram uma oposição (que é, na verdade, um falso dilema) entre desenvolvimento e conservação ambiental. O desenvolvimento sustentável, como uma forma de desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer as necessidades das futuras gerações, não integra as políticas públicas como condição essencial. Quando aparece, está confinado e limitado a alguns programas específicos dos setores e órgãos ambientais.

Face a esses e a outros pressupostos equivocados sobre a natureza, as políticas voltadas para o planejamento regional, que ao longo dos últimos 35 anos estiveram a cargo dos organismos nacionais e regionais, criaram instrumentos e estímulos diversos à exploração da natureza aplicados, sem cuidado ou distinção alguma, a quaisquer dos ecossistemas existentes. Atividades econômicas tão diversas como a pecuária, a exploração madeireira, a mineração, a garimpagem e outras, que apresentam diferentes impactos sobre a natureza, vêm sendo desenvolvidas indiferentemente sobre áreas de florestas densas, nascentes e margens de rios, regiões de manguezais, nas planícies em encostas, em solos frágeis ou nos raros solos bem estruturados. E a maior parte dessas atividades tem produzido enorme e injustificável desperdício de recursos naturais.

Ao invés de considerar a natureza como um dom, uma aliada do desenvolvimento, as políticas públicas têm adotado uma estranha lógica de combate e agressão à natureza, estimulando nas últimas décadas a transformação da mais vasta, rica e exuberante floresta tropical do mundo em áridas pastagens, em áreas de plantação de grãos, etc., sem levar em conta que a Amazônia dispõe de extensos campos naturais e várzeas, que poderiam ser aproveitados economicamente, sem danos ambientais.

Nas últimas décadas, enormes massas vegetais, que incluem madeiras nobres, vêm sendo queimadas impiedosamente. De 1500 a 1970, ou seja, em 470 anos, apenas 2% de toda a floresta amazônica havia sido destruído; em apenas 30 anos (1970 a 2000), segundo o INPE, 14% foi devastado. Trata-se de um desastre sem precedentes contra o maior patrimônio natural do planeta Terra, contra a economia e a sobrevivência dos habitantes naturais — caboclos, ribeirinhos, índios e outros. E, pode-se mesmo dizer, contra o futuro da região e das novas gerações que precisarão dela para viver! A natureza não tem sido considerada como parceira e aliada para estabelecer um real desenvolvimento da região. Ao contrário disso, a floresta aparece nos planos e programas federais para a região nas últimas décadas ora como um obstáculo a ser vencido, ora como simples objeto a ser explorado, ora como um almoxarifado inesgotável de riquezas — que, portanto, não se precisa ser reposto.

O modelo tem se apoiado, também, na crença (equivocada) de que os ecossistemas amazônicos são ricos e, portanto, resistentes aos impactos ambientais e naturalmente auto-regeneráveis. Os planos, programas e projetos econômicos, desde o fim dos anos 1960 aos dias atuais, em sua maioria, pressupõem uma inesgotabilidade e uma alta resistência da natureza amazônica. Governantes, políticos, técnicos e empresários em geral não compreenderam ainda ou simplesmente não deram importância ao fato de que os ecossistemas amazônicos são frágeis e que sobrevivem à custa de um equilíbrio muito delicado dos três elementos-chave, que se articulam simultaneamente: chuva-mata-solo.

Seus ecossistemas são ricos mas, paradoxalmente, são também extremamente frágeis. Os solos amazônicos — diferentemente dos solos de outras regiões do mundo onde as florestas foram devastadas sem provocar grandes danos ambientais — são solos rasos, mal estruturados, pobres, em sua maioria; e sobrevivem à custa dos nutrientes que recebem da floresta.

Na Amazônia, não se pode desmatar sem replantar, por várias razões combinadas, todas elas igualmente importantes. Em primeiro lugar, a copa das árvores abranda o impacto das fortes chuvas que caem durante quase seis meses por ano na região; os solos descobertos não resistem às intensas e constantes chuvas, que os lavam e os deixam surpreendentemente pobres. Segundo, porque os solos vivem da biomassa oriunda das árvores e que apodrece sobre eles, formando uma importante camada de nutrientes; por sua vez, os solos são alimentados, também, pelos nutrientes que escorrem pelos galhos e troncos junto com as águas. Finalmente, porque o regime de chuvas amazônico depende da evaporação da floresta, sem o que o ecossistema se desequilibra, desorganiza-se, empobrece rapidamente e entra em crise (3).

Assim, a Amazônia constitui-se num conjunto de ecossistemas muito delicados, formados pelas unidades chuva-floresta-solo-floresta-chuva, etc., no qual cada um dos três é indispensável e insubstituível. Diferentemente de outros solos no mundo, em que as florestas se sustentam graças à fertilidade desses solos, nos espaços amazônicos a situação difere radicalmente: com poucas exceções, é a rica floresta que sustenta um solo que é, quase sempre pobre. Retirando-se a cobertura florestal, perde-se não apenas a floresta, mas o solo e a fauna nele existentes.

Com muita freqüência, a natureza amazônica, e em especial sua floresta, tem sido considerada como expressão do primitivismo e do atraso regionais. Ou ainda, como simples material, biomassa barata, apropriável a custo zero por investidores, que não se deram ao trabalho nem arcaram com os custos de plantá-la. Planos, programas e projetos (e especialmente os Planos de Desenvolvimento da Amazônia — PDAs — formulados pelo Governo Federal para a região: PDA-I, II, III da Nova República e outros que os seguiram), sugerem claramente que a mata nativa deve ser substituída por empreendimentos mais "modernos", mais "racionais", mais "econômicos".

Preconceitos quanto à cultura do homem da região

Dos vários preconceitos relativos à cultura do homem da Amazônia, pelo menos dois deles estão claramente expressos e são constantes nos planos e nas políticas públicas federais para a região:

  • Índios e caboclos viveriam em terras excessivamente vastas e as ocupariam em atividades pouco rentáveis para o Estado e de forma incompatível com a economia e a sociedade modernas;
  • Índios, negros (quilombolas) e caboclos têm sido considerados nos planos e nos projetos econômicos criados para a região como sendo portadores de uma cultura pobre, primitiva, tribal e, portanto, inferior. Assim, eles nada teriam a aportar de positivo ao processo de desenvolvimento. Com isso, esses grupos étnicos e sociais não têm sido priorizados nas políticas públicas para a região.

Como conseqüência deste e de outros pressupostos e preconceitos do gênero, índios, negros e caboclos se tornaram "invisíveis" no conjunto das políticas públicas. Não foram no passado, e continuam não sendo, ainda hoje, tratados como atores sociais importantes no processo das mudanças em curso.

Por fim, os índios e caboclos, depois de perdidas a identidade e o modo de vida tradicional, acabam eles próprios a vender suas terras e suas matas, reforçando o preconceito já estabelecido contra eles. Com frequência, tendo sido desestruturada sua forma de vida e trabalho anteriores, à falta de outras alternativas, engajam-se em atividades predatórias (como a exploração madeireira e a garimpagem) e passam, eles também, a defendê-las, já que constituem-se agora no seu novo meio e modo de vida. Para completar, trata-se de um modelo que não aproveita o saber acumulado pelo homem da região no uso dos recursos florestais; pelo contrário, ao invés de apoiá-lo e de oferecer a ele oportunidades de uma modernização democrática e verdadeira, simplesmente o alija do processo de mudança.

Pressupostos, preconceitos e mitos relativos ao capital, ao trabalho e às atividades produtivas em geral

Na esfera do trabalho e das diversas atividades produtivas, os preconceitos e equívocos parecem transbordar dos mais diversos documentos legais, planos e projetos, tão abundantes são. No entanto, gostaria de me limitar àqueles que parecem exercer maior influência sobre os destinos da região e de sua gente. Destaco aqui os seguintes:

1º — Os governos têm entendido (o que é também um equívoco) que o desenvolvimento é tarefa e virtude exclusiva do capital e, principalmente, do grande capital. Mais ainda, têm entendido que somente o grande capital teria o impulso capaz de desenvolver a região, dada sua grande extensão. O capital e somente ele, o que exclui o homem da região, representaria riqueza. Atraindo-se grandes capitais para a região, como uma conseqüência "natural" ter-se-ia a riqueza econômica, da qual, a longo prazo, todos se beneficiariam. Em nenhuma instância o modelo levou em conta que, sem uma política de desconcentração de renda, o grande capital somente aumentaria as desigualdades sociais e a formação de bolsões de pobreza em contraste com os grandes empreendimentos.

2º — Os abusos, as exorbitâncias e o arbítrio desse novo capital que se instala na região são incontáveis: a criação e a recriação do trabalho escravo; a expulsão e a morte de posseiros, índios, trabalhadores rurais em geral; a grilagem de terras; as queimadas; a poluição de rios, lagos; e muitos outros. Contudo, sob a nova ótica economicista, esses problemas devem ser entendidos como fenômenos característicos de uma fase inicial do desenvolvimento amazônico, cuja tendência seria a de desaparecerem, a longo prazo, quando o processo de desenvolvimento tiver atingido sua fase avançada (sic)! No entanto, é visível que a superação dessa "fase" não vem ocorrendo.

3º — Quanto à política de trabalho e emprego, para os governos vale mais a geração de um emprego num dos novos empreendimentos recém-criados (mineração, extração de madeiras, etc.), pois, apesar dos danos ambientais graves que provocam, geram impostos e, assim, são preferíveis às atividades não-geradoras de impostos como as atividades tradicionais dos caboclos da região. Trata-se de uma estranha contabilidade pública na qual os governos, ao prestarem contas à sociedade dos investimentos feitos visando o desenvolvimento regional, apontam apenas os ganhos, sem registrar e descontar as perdas econômicas e sociais: uma contabilidade que não leva em conta a formação de grandes massas de desempregados, constituída pelos habitantes naturais que ficam sem condições de permanecer em suas terras, vilas e povoados depois de expulsos delas para que sejam implantados os grandes empreendimentos — que, supostamente, promoverão o desenvolvimento da região. Uma contabilidade que não considera como problema a população migrante que, atraída pelos grandes empreendimentos, fica desempregada, formando as periferias miseráveis das cidades amazônicas. Trata-se de uma estranha lógica que não contabiliza os custos dos subsídios, vantagens e facilidades financeiras concedidas pelo setor público, que sacrifica o restante da sociedade ao canalizar esses recursos para fins privados; que não computa o desperdício dos recursos naturais implicados no processo de atração de novos capitais para a região, nem os custos de uma infra-estrutura que, com freqüência, serve diretamente e apenas aos empreendimentos de grandes grupos econômicos e não à população em geral.

4ºO extrativismo vegetal tem sido considerado primitivo, antieconômico e, por isso mesmo, pouco merecedor de apoio, modernização e aperfeiçoamento. Assim, as políticas públicas têm entendido que deve ser substituída a mata nativa por atividades econômicas consideradas mais "modernas". Não se tem promovido uma política efetiva visando enriquecer a floresta, adensando-a com espécies rentáveis, substituindo as espécies de baixo valor comercial por outras de elevado valor no mercado; não se cogitou de definir claramente a forma de extração, conservação e aproveitamento da madeira, ou de fiscalizar rigidamente a exploração madeireira, punindo sistematicamente os infratores, para desestimular os abusos e as reincidências; e também não se tem levado em conta, seriamente, que a Amazônia constitui-se no maior banco genético do mundo e no maior reservatório de espécies florestais — o que possibilitaria o desenvolvimento e a produção de medicamentos os mais variados, inseticidas orgânicos, cosméticos, perfumes, novos alimentos, novas frutas e essências, enfim, produtos industrializados os mais diversos e não apenas produtos semi-elaborados, como tem sido a maioria dos produtos gerados pelos novos investimentos (e.g., a madeira em tábuas e toras, e o minério em lingote). Para aproveitar economicamente a floresta dessa forma, há necessidade de investimentos continuados em pesquisa e na produção. Mas, lamentavelmente, não se estabeleceu até hoje um programa nacional consistente, duradouro e eficiente para esse fim, embora a Amazônia seja, sabidamente por todos, o maior banco genético do mundo. Pelo contrário, os recursos destinados à fiscalização e à pesquisa vêm diminuindo gradativamente, enquanto cresce o contrabando de produtos florestais para o exterior, tal como ocorreu com a borracha no passado.

5º — Nos planos e projetos governamentais, a riquíssima biodiversidade da natureza amazônica — ou, mais propriamente, sua mega-biodiversidade — aparece como um elemento negativo. Para a maior parte dos empresários, seria preferível se a natureza amazônica tivesse poucas espécies (como o cat fish, o mogno, o pau d'arco e outras poucas espécies já conhecidas no mercado internacional). Numerosos tipos de madeiras, com características as mais diversas; peixes de água doce e salgada, com variados sabores, tamanho e aparência; uma enorme quantidade de essências vegetais — tudo isso, tão variado, segundo os empresários, dificulta a comercialização, porque o mercado internacional conhece apenas algumas poucas espécies.

Com freqüência, a enorme biodiversidade da natureza amazônica é concebida como um obstáculo do ponto de vista econômico. Isso porque a moderna sociedade industrial opera a partir de uma produção em escala que não se coadunaria com a fantástica biodiversidade da natureza da Amazônia. Assim, estabeleceu-se um danoso e equivocado mito da incompatibilidade entre biodiversidade e desenvolvimento. Daí porque as políticas públicas têm visado sempre quebrar a "barreira" da biodiversidade e trabalhar com homogeneidade na produção e produção de escala, tal como exige um mercado globalizado.

A que nos levará esse modelo?

O modelo econômico concebido há mais de trinta anos e ainda em curso na Amazônia padece de males inconciliáveis com a vida social, cultural e com a natureza da região.

Do ponto de vista da economia, os governos têm esperado que os investimentos para os quais contribuem sob a forma de facilidades, subsídios, incentivos e infra-estruturas de apoio venham a compensar, largamente, no longo prazo, os empréstimos contraídos para esse fim. Ora, o preço dos produtos primários ou dos produtos semi-elaborados, que se têm constituído na base das atividades econômicas estimuladas pelo modelo econômico, tem caído sistematicamente no mercado mundial.

Trata-se de uma forma de inserção de países subdesenvolvidos no mercado internacional em que os primeiros garantem seu lugar no mercado global à custa de um alto endividamento. Somente um item — a energia subsidiada — já significa uma enorme transferência de renda para os países centrais. De um lado, permanece a dependência aos conglomerados internacionais, posto que estes são os maiores compradores. De outro, as empresas internacionais consorciadas ao capital nacional controlam os preços no mercado interno. Ao final do processo, se há vantagens, elas são muito reduzidas, e isso tende a perdurar enquanto a Amazônia produzir semi-elaborados para o mercado externo.

A expectativa de melhoria nos preços desse tipo de produtos pelos governos chega a ser algo curioso e surpreendente, já que, desde os anos 60, a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) havia desenvolvido teorias demonstrando uma tendência histórica de queda dos preços de produtos semi-elaborados. Na mesma época, divulgou amplamente a tese de que somente a produção de produtos industrializados poderia agregar valor e lucro. Torna-se, portanto, difícil compreender por que, décadas depois, políticos e técnicos de nível nacional e regional, e dirigentes do Banco Mundial e de bancos brasileiros continuam a insistir no modelo de produção de bens semi-elaborados na região. Resta perguntar: a quem beneficia essa política, realmente?

É verdade que alguns governos estaduais (o do Pará, em especial) têm se esforçado em completar as cadeias produtivas e exportar produtos acabados. Contudo, essas iniciativas não têm força suficiente para redirecionar os grandes empreendimentos, já inseridos na economia global sob a forma de produtores de semi-elaborados. Além do que, são experiências isoladas, não alterando os objetivos e políticas federais para a região, que se estruturaram e caminham em direções opostas.

O atual modelo não levará ao desenvolvimento, porque os novos empreendimentos estão constituídos à base deenclaves de produção de semi-elaborados para exportação. Eles não se integram à economia da região e não produzem efeitos em cadeia, isto é, não induzem à instalação de novos empreendimentos decorrentes dos primeiros, porque visam, simplesmente, a exportação de bens num estágio primário ou de semi-elaborados. Se persistir por mais tempo ainda, o atual modelo apenas aumentará as desigualdades sociais, aprofundará os desequilíbrios regionais e levará à destruição enormes estoques de recursos naturais que poderiam servir de real impulso ao desenvolvimento regional.

Assim, as políticas públicas em curso na Amazônia apresentam vários problemas. Mas o mais fundamental é que, ao conceber povo e natureza da região como primitivos, tribais e atrasados, elas submetem o homem da Amazônia em geral a um conflitivo processo econômico que não respeita a cultura e o homem da região. Ao contrário disso, desenraíza o homem, empurrando-o como marginalizado para as periferias das cidades. Na Amazônia, o modelo econômico, além de ser gerador de enormes conflitos sociais, entra em choque com as populações naturais da região ao destruir sua forma de vida, seu ambiente natural e sua identidade cultural. O modelo procura repetir experiências históricas que deram certo noutros países, noutros tempos, noutros contextos culturais e naturais, mas que não são adequadas à nossa região.

Considerações finais

Ao aproximar-me do final deste texto, gostaria de fazer uma série de considerações.

A primeira consideração é a de que, como conseqüência de séculos de exploração e abusos, restou hoje uma estranha sensação de sermos estrangeiros: a sensação de vivermos num lugar desconhecido para nós, lugar onde o outro, o de fora, continua a nos apontar o tipo de cultura desejável para nós, aquilo que devemos valorizar, que coisas devemos explorar, a que sonhos devemos aspirar e o que devemos esperar como futuro. É essa pesada história de esmagamento da identidade cultural dos habitantes da região que nos faz sentir, hoje, como estrangeiros vivendo em nossa própria terra.

A segunda consideração diz respeito à real situação da Amazônia brasileira, despojada ela dos falsos mitos que envolvem sua imagem. No início de um novo século, a Amazônia vive uma situação sem precedentes: a informação que circula no mundo pôs a nu os danos ambientais ao maior patrimônio natural do planeta Terra, sem que um novo modelo substitutivo tenha sido estruturado. Mais do que nunca, o governo brasileiro e a Amazônia sofrem pressões internacionais, sem terem respostas e propostas substitutivas e consistentes a oferecer e sem meios concretos de combater a biopirataria ao maior banco de espécies vivas do planeta. É do amplo conhecimento do governo brasileiro que empresas internacionais levam espécies vegetais conhecidas e utilizadas amplamente pelas populações tradicionais (índios e caboclos), desenvolvem com elas medicamentos já conhecidos na região para doenças várias, patenteiam os produtos e os colocam no mercado internacional como mercadorias.

Apesar disso, pouco tem sido efetivado porque a longa crise de quase vinte anos na economia brasileira levou o governo federal a priorizar a contabilidade nacional, em detrimento da organização da sociedade e do apoio à estrutura produtiva das regiões brasileiras.

Diante do quadro, as reações da sociedade têm sido tímidas. Isso porque, ao longo de uma história autoritária e excludente como a da sociedade brasileira, em que o Estado procurou tomar, quase sempre, a liderança na condução dos processos históricos e sociais, a sociedade civil acabou se tornando refém do Estado. Salvo poucos momentos, a sociedade tem sido, quase sempre, submissa e pouco crítica. E assim, a região entra no terceiro milênio sem uma identidade cultural própria e sem um projeto de desenvolvimento compatível com a sua riqueza natural, com sua gente e com sua variedade cultural.

A terceira consideração diz respeito à necessidade e à urgência em colocar em prática um novo modelo, não apenas econômico, mas que busque um real desenvolvimento para a região amazônica, que não se contente em corrigir os efeitos perversos que caracterizam o atual, mas que comporte também e, ao menos, os seguintes princípios humanísticos ou condições fundamentais:

  1. Respeitar as populações locais e sua cultura, incorporando-as como elementos importantes nas transformações em curso;
  2. Desenvolver uma economia fundada nas noções de ecodesenvolvimento e sustentabilidade da natureza, de modo a preservá-la para as gerações futuras;
  3. Promover a mudança da base produtiva regional (hoje apoiada na exportação de produtos semi-elaborados num extremo e em atividades tradicionais de baixa produtividade noutro), verticalizando a produção — isto é, completando as cadeias produtivas por meio do setor industrial e complementando-as até se chegar a um produto final beneficiado e gerador de riqueza;
  4. Intensificar, através da pesquisa, o estudo do aproveitamento de espécies florestais e animais da Amazônia, reforçando as equipes de pesquisa e os laboratórios de universidades e institutos da região, especialmente nas áreas de biotecnologia, integrando-os com equipes e laboratórios dos centros mais desenvolvidos do país. Assim se poderá desenvolver um modelo econômico que propicie um real aproveitamento do patrimônio florestal em favor da sociedade brasileira. A pesquisa beneficiará a economia, já que ela permite aumentar a produção de espécies atualmente com baixa rentabilidade, encurtar o ciclo de cultivos de longa duração, adensar e enriquecer a floresta com as espécies mais demandadas pelo mercado, etc.;
  5. Disseminar, através de políticas tecnicamente bem orientadas e financeiramente viáveis, viveiros de espécies florestais. Além disso, desenvolver bancos de células de espécies com risco de extinção e o criatório de espécies animais naturais da região — sempre respeitando uma certa biodiversidade, já que, como se tem constatado historicamente, os ecossistemas amazônicos não toleram a homogeneidade que o mercado quer exigir deles. Assim, estaríamos apontando uma nova via econômica com um amplo leque de possibilidades e real aproveitamento dos recursos em favor da sociedade brasileira;
  6. Desenvolver oportunidades de geração de emprego e renda na própria região, para que a Amazônia seja não apenas um lugar de abundância natural, mas também um lugar de justiça e de bem-estar social;
  7. Ser democrático na distribuição da renda, possibilitando à população de baixa renda a participação nos frutos do progresso que, um dia, possam advir para a região.

A quarta consideração concerne à Amazônia como sujeito de sua própria história.

Somente passando a ser o sujeito de sua própria história, e não o objeto de uma história definida e escrita pelo estranho à região, é que o homem da Amazônia poderá reencontrar ou recriar sua identidade perdida, usufruir de uma verdadeira liberdade político-cultural e assim traçar seu próprio destino, para viver como um ser moderno, integrado à natureza e à sua própria cultura, construindo uma história da Amazônia também, ou principalmente, para sua gente.

Se o balanço de quatro séculos não é positivo, não se pode dizer que não existam possibilidades de mudança no futuro. Como mencionou Euclides da Cunha, "A Amazônia é a última página do Gênesis a ser escrita". Neste início de século, resta-nos escrever, e urgentemente, a página anunciada e tão esperada por Euclides da Cunha, apontando as possibilidades e vias para um futuro digno do novo século. O ciclo dos últimos quatrocentos anos pode ter sido um tempo longo, mas talvez necessário e suficiente, para uma tomada de consciência e para a construção de um projeto de vida autenticamente amazônico, compatível com a gente, o rio, a mata, os verdadeiros mitos da terra e com a modernidade de um novo século.

Notas

1 Belém, a primeira povoação fundada na Amazônia pelos europeus, data de 1616.

2 E os planos estaduais, com poucas exceções, em poucos momentos se distanciaram dos objetivos e métodos das propostas federais para a região.

3 Estudos científicos indicam que a retirada das árvores mudará o regime de chuvas da região, de vez que quase 50% das chuvas amazônicas resultam da evaporação da floresta.

Violeta Refkalefsky Loureiro é mestre em Sociologia pela Unicamp, doutora em Sociologia pelo Institut des Hautes Études de l'Amérique Latine (Paris) e professora da Universidade Federal do Pará.