Li uma semana antes da estreia do filme, em algum site que não me lembro qual, que Selton Mello escreveu o roteiro de O Palhaço em meio a uma crise pessoal, de não mais saber se ele ainda estava trilhando o caminho certo, se o cinema, a profissão, ainda poderiam acrescentar algo de novo na vida dele, sem saber se ele ainda queria fazer o que faz. Coincidência ou não, o personagem principal do filme - Benjamin, o palhaço Pangaré, é alguém que não sabe se ainda quer fazer o que faz tão bem: fazer o público rir. Benjamin é um palhaço que, fora dos palcos, está sempre cheio de tristeza e melancolia nos olhos e no sorriso. Fora dos palcos, a sua graça está na vida sem graça que leva.
Inicialmente, Rodrigo Santoro deveria ser o ator que assumiria o papel principal, segundo a vontade do próprio Selton (roteirista e diretor do filme). Mas Santoro, envolvido com outros projetos, precisou recusar a proposta. Selton então fez o que deveria ter feito desde o início: decidiu que iria interpretar o personagem que ele mesmo criou. Sim, foi com certeza a mellhor escolha que fez. Porque Selton dá vida ao Benjamin de forma tão natural que em certos momentos eu já não sabia se aquele olhar (que me partia o coração) era de Selton ou de Benjamin. E é óbvio que, em se tratando de Selton Mello, isso não significa que ele só saiba interpretar personagens parecidos com ele mesmo. De jeito nenhum! E nem preciso citar aqui os vários trabalhos em que o ator provou seu talento, que, como eu já disse uma vez, ultrapassa o limite do bom senso. Mas significa, sim, que ele conhecia muito bem o personagem que criou e interpretou. Conhecia tanto que fez com que o público não soubesse, em certos momentos, o que era ficção e o que era realidade.
Benjamin é um tanto quanto ignorante. Mas, por mais que ele diga que os problemas dele concentram-se em comprar um ventilador e/ou encontrar um sutiã velho pra amiga, ele inconscientemente sabe que os problemas vão muito além dessas coisas tão pequenas. A vida itinerante do circo, a falta de um lugar fixo, a falta de estudos, o calor das cidades pelas quais precisa passar, não poder conhecer outras pessoas além das que trabalham no circo... Tudo isso constrói o personagem e o público consegue sentir e se comover com o peso da vida que Benjamin carrega nas costas.
‘O Palhaço’, que é recheado de cenas lindas do interior do Brasil, concentra-se na psicologia dos personagens e explora muitíssimo bem o olhar de alguns deles. De alguns, porque nem todos têm tanto assim a dizer através dos olhos. A menina (filha de um casal de artistas do circo e que é a cara da Radija, de O Clone) carrega no olhar toda a inocência, a ingenuidade e o encatamento típicos de uma criança. Fascinada pela vida circense, o filme mostra o crescimento e o envolvimento dela junto ao circo e aos integrantes do circo. É ela quem observa e aprende tudo sem dizer nada. É uma lindinha!
E o que falar da presença de Paulo José no filme? Nas últimas entrevistas e matérias que li sobre ele, soube o quanto tem sido difícil atuar estando cada vez pior do Mal de Parkinson. Mas, ao mesmo tempo, trabalhar tem sido a terapia do ator. E enquanto ele puder fazer o que faz tão bem, o público, obviamente, será o principal beneficiado. Uma das estratégias usadas pelo ator para controlar as tremedeiras causadas pela doença, tem sido a de sempre movimentar os braços, segurar em objetos e, no cinema, a de trabalhar em plano americano para que a câmera não flagre os frenéticos movimento das mãos e dos braços. Tudo isso tem funcionado muito bem, e comovido bastante também.
Selton Mello e Paulo José nunca haviam trabalhado juntos. ‘O Palhaço’ foi a primeria oportunidade que os dois puderam ter. Uma grande ironia da vida. Ou melhor, da arte. No filme, Paulo José dá vida ao palhaço Puro Sangue, pai de Benjamin, o palhaço Pangaré. Os dois contracenam no palco do circo, em cenas hilárias e muito bem feitas e interpretadas. Selton e Paulo José transparecem uma sintonia pouco vista no Cinema. E, de novo, o olhar torna-se essencial: a cumplicidade e parceria entre os dois, enquanto pai e filho, enquanto Selton Mello e Paulo José chega a arrepiar os que conseguem perceber.
Definitivamente, Selton Mello nasceu pra fazer cinema (de todos os jeitos possíveis). E espero que, com o sucesso de ‘O Palhaço’, ele perceba que ainda pode, sim, se superar, se desafiar, se surpreender consigo mesmo. A gente agradece, e muito!
*Se for mesmo escolhido para disputar o Oscar 2013 de Melhor Filme Estrangeiro, "O Palhaço" terá a difícil missão de enfrentar o francês "Intocáveis", mas confesso estar otimista. De uma forma geral (que é o que conta nessa categoria), O Palhaço tem vantagens sobre Intocáveis, como a trilha sonora, a fotografia, o roteiro... Mas disputar com o eterno favoritismo francês não vai ser tarefa fácil. De qualquer forma, qualquer um dos dois merece, e muito, a estatueta. Os dois são sensacionais!
*Se for mesmo escolhido para disputar o Oscar 2013 de Melhor Filme Estrangeiro, "O Palhaço" terá a difícil missão de enfrentar o francês "Intocáveis", mas confesso estar otimista. De uma forma geral (que é o que conta nessa categoria), O Palhaço tem vantagens sobre Intocáveis, como a trilha sonora, a fotografia, o roteiro... Mas disputar com o eterno favoritismo francês não vai ser tarefa fácil. De qualquer forma, qualquer um dos dois merece, e muito, a estatueta. Os dois são sensacionais!
Perfeito :)
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