Como já disse – acima e em texto mais antigo publicado neste blog, “A Vida da Gente”, escrita por Lícia Manzo, trouxe para a tela personagens e diálogos (e monólogos!) nunca antes vistos na televisão. A fórmula já havia sido maciçamente usada por Manoel Carlos, mas Lícia completou com sal temperado – se é que me entendem. Personagens tão verossímeis que chegavam ao ponto de incomodar o telespectador. Às vezes, a sensação era a de que a nossa vida privada tinha sido invadida ou observada sem percebermos. Não foi à toa, e todos sabem disso, que chorei em todos os capítulos dos dois primeiros meses de novela. As atuações e a máxima ausência de clichês nos textos colaboraram, e muito, para isso. Lícia soube explorar o “retratar a realidade” a seu favor.
Apesar de não ter sido sucesso de audiência – justificado, talvez, pela profundidade nos dramas dos personagens, quase sem ter momentos de leveza e divertimento, e pela menor dinamicidade comumente vista em outras tramas, “A Vida da Gente” serviu, também, como mais um trampolim de experimentações, uma espécie de telenovela piloto para mostrar o que ainda está por vir. Experimentações em fotografia e técnicas de filmagem (os ângulos das câmeras já não eram os mesmos de sempre, os objetos de cena misturavam-se com os atores... várias possibilidades foram executadas tendo o cinema como inspiração principal), além da experimentação de novos autores – para renovar o quadro já exaustivo, novas formas de narrativa e novos enredos. Lembrando que essas inovações já estavam sendo explicitamente testadas antes – em Cordel Encantado, por exemplo, que não pude acompanhar como gostaria e outras anteriores também de época.
“Empreguetes” (como ficou mais conhecida e como prefiro chamar) inovou em tudo, ou quase tudo, que poderia. A começar pelos autores estreantes: Filipe Miguez e Izabel de Oliveira – alguém já tinha ouvido falar no nome deles? Eu não. Não que eu lembre. Os dois, talvez sem muita pretensão, decidiram escrever uma trama em que a figura da empregada doméstica fosse a protagonista. É possível que muitos não se deem conta da representatividade que a ideia tem: criar não só uma, mas três empregadas domésticas, de fato, como protagonistas é como se os autores gritassem “a classe D e C estão aí, reivindicando espaço, querendo e merecendo ser representadas como são e como gostariam de ser”. E assim foi! A empregada chefe de família, a empregada cantora e a empregada sonhadora mostradas de forma igualitária ao lado da também protagonista Chayene, rainha do eletroforró e inimiga das três.
Mas o maior trunfo de Empreguetes, que foi e está sendo freneticamente estudado, é a mudança de postura que a Globo assumiu com relação à Internet. Pela primeira vez (sim, porque aquele blog fuleirinho da Luciana, de Páginas da Vida, era apenas um aperitivo para os mais desocupados, um teste de como o meio digital poderia ser usado a favor das tramas da emissora), a Internet funcionou para alavancar e direcionar os rumos da novela. O tempo inteiro havia troca entre o meio televisivo e o digital, um trabalho fantástico de transmídia que deu (e muito!) certo.
Com uma temática já batida (vingança, justiça, traição e blá blá blá), a novela veio com um elenco afinado, com texto bem trabalhado e com as técnicas de cinema na ponta da mão. Fotografia cheia de detalhes, câmera na mão, frases de efeito, muito suspense e atores que sabiam muito bem o que precisavam fazer (até o Murilo Benício conseguiu melhorar durante a trama).
“Avenida Brasil” não revolucionou o gênero, mas foi necessária. O sucesso e a projeção que recebeu não seriam possíveis sem a Internet. O autor soube aproveitar os benefícios (e malefícios) desse meio. Os textos – e abertura - eram, digamos assim, fábrica de “memes”, construídos justamente para impregnar as redes sociais e alavancar público e audiência. Aliado a isso, ainda vinham a narrativa acelerada e as reviravoltas dos personagens.
Mas, apesar dos erros, “Avenida Brasil” cumpriu seu papel. Levou a classe C ao pódio principal, interagiu com o público por diversos meios, emplacou de vez as inovações técnicas no horário e discutiu temas importantes à sociedade. Um dos principais foi a poligamia, vivida pelo núcleo de Cadinho e de Suelen. Temática delicada, ainda desconfortável, mas que precisa ser trabalhada assim como foi, em décadas passadas, o homossexualismo. Mas o autor, talvez pela própria pressão da sociedade, não soube explorar bem a potencialidade do tema e dos personagens. Se não fosse pelos atores, os dois núcleos teriam sido um verdadeiro desastre.
Além disso, era preciso adequar-se à nova realidade social e econômica do país. A classe C tomou conta do mercado e incluí-la como principal em produtos televisivos era necessário. É a classe que atualmente mais gera lucro e valor aos produtos. Era preciso representá-la na TV da forma como ela é, e não só como gostaria de ser, para não perdê-la ainda mais de vista, como vinha (e está) acontecendo por conta das TVs por assinatura – com cada vez mais adeptos no país, principalmente os da classe C.
A teledramaturgia brasileira assumiu um novo caminho (riquíssimo para quem a estuda) e assim será, ou tentará ser, pelos próximos anos. Os antigos teledramaturgos estão sendo aos poucos aposentados para dar lugar aos novos, com novas ideias e novas funções. Uma transformação que só tem a beneficiar emissora e telespectador, como foi o caso das três novelas acima citadas. Infelizmente (ou felizmente) ficarei agora um bom tempo sem acompanhar novelas. Falta tempo para assistir a das 6 e a das 7 e, quanto à nova das 9 que começa agora... Não sou obrigada a arder no mármore do inferno com mais uma bomba de Glória Perez. Não mesmo! Mas depois de uma novela ruim, quase sempre vem uma boa para compensar (ouviu, Globo? Colabora!).