quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Uma comédia que de “intocável” não tem nada


“Intocáveis”... É um título um tanto quanto inadequado se for pensar na sensação que o filme deixa nos espectadores depois da sessão. Um pouco difícil também apreendê-lo como uma comédia, conforme classificação feita pelos críticos. Nem mesmo a trilha sonora colabora para isso. Mas definitivamente Intocáveis é engraçado, muito engraçado. Confesso ter tido crises de riso em algumas cenas, intercalando com quase choros. Talvez uma comédia romântica diferente do que estamos acostumados a ver? Pode ser...

Lançado em 2011 e com mais de 20 milhões de espectadores só na França, país de origem, “Intocáveis”, escrito e dirigido pela dupla Eric Toledano e Olivier Nakache, narra uma história baseada em fatos reais em que Philippe (interpretado por François Cluzet), um aristocrata rico que fica tetraplégico depois de sofrer um acidente em um voo de parapente, precisa contratar uma pessoa para lhe ajudar no dia a dia. Depois de dispensar vários candidatos qualificados para o cargo, Philippe decide contratar Driss (interpretado por Omar Sy), um senegalês recém-saído da prisão que se inscreveu para a vaga só para conseguir uma assinatura e poder receber o auxílio desemprego do Governo.

Cansado de ser motivo de pena e compaixão dos que o cercam, Philippe se interessa por Driss justamente pela falta disso. A relação entre os dois começa com uma aposta: a de que Driss não aguentaria trabalhar na mansão de Philippe por mais de uma semana. Ao se sentir desafiado, Driss decide aceitar o serviço, rendendo algumas das cenas mais hilárias do filme. Sem experiência e tato nenhum para esse tipo de trabalho, o senegalês passa por situações constrangedoras, como a de trocar produtos durante o banho ou ter que vestir as meias terapêuticas em Philippe.

A melhor classificação que Driss poderia receber é a de “ogro”. Um homem típico da periferia de Paris, sem modos, acostumado a resolver os problemas à base da gritaria e da ameaça – filosofia que, para ele, funciona muito bem; que não sabe se comportar em um museu de obras de arte ou durante uma ópera no teatro – aliás, a cena da ópera é uma das mais engraçadas que já vi. Mas na verdade, Driss é, como ele mesmo se define, pragmático, sem rodeios, sem se preocupar com o que os outros vão pensar a respeito das suas opiniões ou preferências. Confesso uma identificação com Driss em algumas situações. E pelas reações dos que estavam assistindo ao filme, com certeza não fui a única pessoa a se enxergar como o personagem.

Já Philippe, ao lado das outras pessoas que moram com ele na mansão, é um típico aristocrata francês, preso em seu mundo dedicado a contemplar obras de arte (de gosto um tanto quanto duvidoso, como o próprio Driss assinala), música clássica, poesia, literatura, óperas... Os dois personagens, que inicialmente parecem não ter qualquer tipo de semelhança entre si, representam as duas faces mais opostas de Paris (e de tantas outras grandes cidades), mostrando o cotidiano da periferia e o da classe alta francesa.


Driss faz pouco da situação de Philippe e se diverte com isso. O que pode parecer - e às vezes talvez seja - piada de mau gosto sobre a deficiência física é, na verdade, uma maneira inconsciente que Driss encontra para tornar Philippe mais humano, trazê-lo para a realidade, tirá-lo da bolha protetora em que o colocaram desde o acidente; fazer com que Philippe lembre que ainda está vivo e ainda tem motivos para rir e ser feliz. A relação de amizade e parceria estabelecida entre os dois me fez lembrar muito o filme “Sempre Amigos”, aquele que todos nós já vimos sobre o menino Kevin, superdotado, mas com uma doença que o impede de se locomover, que se torna amigo de Max, um rapaz de 14 anos com dificuldades de aprendizado.

Como já deu para perceber, o grande destaque do filme é a atuação de Omar Sy. Seu porte físico, o sorriso, a maneira de andar, o timbre a voz e a desenvoltura, fazem do personagem que o ator interpreta um ser assustador e ao mesmo tempo carismático. A vontade que dá é a de também ser amigo de Driss. O trabalho em Intocáveis rendeu a Omar Sy um prêmio César, o Oscar francês, na categoria de melhor ator, desbancando o ganhador da premiação norte-americana Jean Dujardin, protagonista de O Artista.

Intocáveis é a produção francesa mais assistida de todos os tempos, ficando à frente de filmes como o já mencionado O Artista e O Fabuloso Destino de Amelie Poulain. No entanto, o longa possui algumas falhas de roteiro e direção que podem passar despercebidas diante do êxtase das cenas engraçadas ou emocionantes. Toledano e Nakache falharam um pouco ao não extrair mais profundamente dos dois personagens principais a característica que dá título ao filme. Já no início ficamos com a impressão de que Philippe e Driss não são tão intocáveis assim como dizem as más línguas. Talvez tenha sido mesmo essa a intenção dos diretores, mas acho que isso não precisava ficar claro logo no início da projeção.

Mas ainda assim o filme consegue ser deliciosamente bom, com um timing excelente para a comédia e a dose certa de drama necessária para aproximar os personagens. Enfim, um filme tocante, apesar do nome, que nos deixa a sensação de ser mais uma obra-prima do cinema francês. Ao melhor estilo Driss, apostaria 100 euros – se eu tivesse, claro – que não há como se arrepender em assistir a esse filme.

Curiosidade
Na vida real, o milionário tetraplégico Philippe Pozzo di Borgo contrata o algeriano Abdel Sellou para ser seu ajudante. Os roteiristas e diretores Érico Toledano e Olivier Nakache transformaram as histórias contadas por Philippe no livro “O Segundo Suspiro” em uma comédia dramática, em que o personagem de Omar Sy é, no filme, um senegalês.

PS: O trailer é um tanto fraco, longe de passar a emoção do filme, mas é sempre bom conferir, né?