domingo, 21 de outubro de 2012

Retrospectivando a teledramaturgia em 2012


Quando finalmente decidi que seria pesquisadora em teledramaturgia e teria minha vida acadêmica (TCC, Mestrado e Doutorado) guiada por esse tema, ainda era março de 2012, final da minha eterna telenovela favorita A Vida da Gente – do horário das 6 – e sequer desconfiava o que ainda estava por vir nos horários nobres (ou quase nobres) da Rede Globo. Cheias de Charme, no horário das 7, e Avenida Brasil, no horário das 9, completaram a avalanche de inovações em telenovelas – nem menciono Gabriela porque não consegui assistir a um capítulo sequer.

Como já disse – acima e em texto mais antigo publicado neste blog, “A Vida da Gente”, escrita por Lícia Manzo, trouxe para a tela personagens e diálogos (e monólogos!) nunca antes vistos na televisão. A fórmula já havia sido maciçamente usada por Manoel Carlos, mas Lícia completou com sal temperado – se é que me entendem. Personagens tão verossímeis que chegavam ao ponto de incomodar o telespectador. Às vezes, a sensação era a de que a nossa vida privada tinha sido invadida ou observada sem percebermos. Não foi à toa, e todos sabem disso, que chorei em todos os capítulos dos dois primeiros meses de novela. As atuações e a máxima ausência de clichês nos textos colaboraram, e muito, para isso. Lícia soube explorar o “retratar a realidade” a seu favor.

Apesar de não ter sido sucesso de audiência – justificado, talvez, pela profundidade nos dramas dos personagens, quase sem ter momentos de leveza e divertimento, e pela menor dinamicidade comumente vista em outras tramas, “A Vida da Gente” serviu, também, como mais um trampolim de experimentações, uma espécie de telenovela piloto para mostrar o que ainda está por vir. Experimentações em fotografia e técnicas de filmagem (os ângulos das câmeras já não eram os mesmos de sempre, os objetos de cena misturavam-se com os atores... várias possibilidades foram executadas tendo o cinema como inspiração principal), além da experimentação de novos autores – para renovar o quadro já exaustivo, novas formas de narrativa e novos enredos. Lembrando que essas inovações já estavam sendo explicitamente testadas antes – em Cordel Encantado, por exemplo, que não pude acompanhar como gostaria e outras anteriores também de época.

[link para a cena em que Ana e Manu brigam - a minha preferida e com o melhor texto que já ouvi - e decorei: http://tvg.globo.com/novelas/a-vida-da-gente/capitulo/2012/2/14/ana-procura-manu-e-as-irmas-discutem.html]

VIDA DE EMPREGUETE
Dias depois, a Globo entregou um verdadeiro presente aos fãs de teledramaturgia: Cheias de Charme, no horário das 7. Apesar de ter entrado na lista das minhas telenovelas preferidas, não escrevi para cá nada específico sobre ela. Não por falta de vontade, preguiça ou criatividade, mas sim porque o fenômeno “Cheias de Charme” rendeu uma quantidade absurda de textos e artigos publicados na Internet e em meios acadêmicos que nunca vi em nenhuma outra ocasião. É só “googlar” para saber do que estou falando.

“Empreguetes” (como ficou mais conhecida e como prefiro chamar) inovou em tudo, ou quase tudo, que poderia. A começar pelos autores estreantes: Filipe Miguez e Izabel de Oliveira – alguém já tinha ouvido falar no nome deles? Eu não. Não que eu lembre. Os dois, talvez sem muita pretensão, decidiram escrever uma trama em que a figura da empregada doméstica fosse a protagonista. É possível que muitos não se deem conta da representatividade que a ideia tem: criar não só uma, mas três empregadas domésticas, de fato, como protagonistas é como se os autores gritassem “a classe D e C estão aí, reivindicando espaço, querendo e merecendo ser representadas como são e como gostariam de ser”. E assim foi! A empregada chefe de família, a empregada cantora e a empregada sonhadora mostradas de forma igualitária ao lado da também protagonista Chayene, rainha do eletroforró e inimiga das três.

Mas o maior trunfo de Empreguetes, que foi e está sendo freneticamente estudado, é a mudança de postura que a Globo assumiu com relação à Internet. Pela primeira vez (sim, porque aquele blog fuleirinho da Luciana, de Páginas da Vida, era apenas um aperitivo para os mais desocupados, um teste de como o meio digital poderia ser usado a favor das tramas da emissora), a Internet funcionou para alavancar e direcionar os rumos da novela. O tempo inteiro havia troca entre o meio televisivo e o digital, um trabalho fantástico de transmídia que deu (e muito!) certo.  

OI OI OI
Já com o horário das 9, o cuidado foi redobrado. Há meses a Globo vinha patinando e se perdendo com telenovelas que nada ou quase nada de novo tinham a acrescentar. Uma situação perigosa para o horário mais importante da emissora. A escolhida para reverter esse quadro foi Avenida Brasil, de João Emanuel Carneiro.

Com uma temática já batida (vingança, justiça, traição e blá blá blá), a novela veio com um elenco afinado, com texto bem trabalhado e com as técnicas de cinema na ponta da mão. Fotografia cheia de detalhes, câmera na mão, frases de efeito, muito suspense e atores que sabiam muito bem o que precisavam fazer (até o Murilo Benício conseguiu melhorar durante a trama).

“Avenida Brasil” não revolucionou o gênero, mas foi necessária. O sucesso e a projeção que recebeu não seriam possíveis sem a Internet. O autor soube aproveitar os benefícios (e malefícios) desse meio. Os textos – e abertura - eram, digamos assim, fábrica de “memes”, construídos justamente para impregnar as redes sociais e alavancar público e audiência. Aliado a isso, ainda vinham a narrativa acelerada e as reviravoltas dos personagens.

No entanto a novela decepcionou. Sozinho (e tendo que escrever mais de 100 páginas de roteiro por dia, provavelmente), o autor não deu conta de levar até o fim o ritmo a que se propôs. Já pelo meio, a trama se perdeu, os furos de roteiro ficaram ainda mais visíveis, os personagens secundários tornaram-se terciários. O núcleo da casa do Tufão ganhou uma projeção tão grande que ofuscou os outros núcleos e todas as tentativas para mudar esse quadro não deram certo como deveriam. A obra ficou maior que o previsto, maior do que o autor poderia suportar. A última semana, eu diria, foi trágica. Nada parecia fazer sentido, tudo parecia ter sido feito às pressas e de qualquer jeito. Uma pena!

Mas, apesar dos erros, “Avenida Brasil” cumpriu seu papel. Levou a classe C ao pódio principal, interagiu com o público por diversos meios, emplacou de vez as inovações técnicas no horário e discutiu temas importantes à sociedade. Um dos principais foi a poligamia, vivida pelo núcleo de Cadinho e de Suelen. Temática delicada, ainda desconfortável, mas que precisa ser trabalhada assim como foi, em décadas passadas, o homossexualismo. Mas o autor, talvez pela própria pressão da sociedade, não soube explorar bem a potencialidade do tema e dos personagens. Se não fosse pelos atores, os dois núcleos teriam sido um verdadeiro desastre.

CONCLUINDO
Todas as mudanças, “revoluções”, inovações e surpresas das novas telenovelas são resultado de décadas de pesquisa que a Rede Globo vem desenvolvendo. Pesquisas, principalmente, sobre TV Digital. Todas as experimentações (que estão finalmente sendo mostradas) são tentativas de se adequar à nova tecnologia que traz novas formas de consumo e de apropriação dos produtos. Era preciso reconquistar o público que estava sendo, um pouco, perdido para a Internet. Era preciso adequar-se às novas plataformas, trazer profissionais, histórias, temáticas e técnicas novas, reformular o quadro e as fórmulas utilizadas por décadas durante o período de TV analógica.

Além disso, era preciso adequar-se à nova realidade social e econômica do país. A classe C tomou conta do mercado e incluí-la como principal em produtos televisivos era necessário. É a classe que atualmente mais gera lucro e valor aos produtos. Era preciso representá-la na TV da forma como ela é, e não só como gostaria de ser, para não perdê-la ainda mais de vista, como vinha (e está) acontecendo por conta das TVs por assinatura – com cada vez mais adeptos no país, principalmente os da classe C.

A teledramaturgia brasileira assumiu um novo caminho (riquíssimo para quem a estuda) e assim será, ou tentará ser, pelos próximos anos. Os antigos teledramaturgos estão sendo aos poucos aposentados para dar lugar aos novos, com novas ideias e novas funções. Uma transformação que só tem a beneficiar emissora e telespectador, como foi o caso das três novelas acima citadas. Infelizmente (ou felizmente) ficarei agora um bom tempo sem acompanhar novelas. Falta tempo para assistir a das 6 e a das 7 e, quanto à nova das 9 que começa agora... Não sou obrigada a arder no mármore do inferno com mais uma bomba de Glória Perez. Não mesmo! Mas depois de uma novela ruim, quase sempre vem uma boa para compensar (ouviu, Globo? Colabora!).