segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O meu 'muito obrigada!'

Um trabalho feito a muitas mãos. E não só agora durante esses últimos meses, mas durante toda uma trajetória de vida que foi trilhada até aqui. Porque o tema escolhido para concluir esse longo caminho que foi a minha graduação diz muito sobre mim, sobre os que me rodeiam, sobre as relações que construí, sobre as influências que recebi. É claro que não poderei aqui citar o nome de todos os que me ajudaram a chegar onde cheguei, que me ajudaram a realizar esse sonho que já me pareceu quase impossível e que agora finalmente se tornou realidade. Mas alguns não podem deixar de serem lembrados, sob a pena de cometer uma imensa injustiça.
A começar pela minha professora e orientadora Maria Ataíde por ter me inspirado com suas aulas e por ter colaborado de forma decisiva na percepção de que seguir minha trajetória acadêmica estudando teledramaturgia seria, e tem sido, a melhor opção, a que mais tinha a ver com minha própria história de vida e gostos pessoais. Obrigada por todos os ensinamentos, por toda a paciência e por ter acreditado em mim. Agradeço ainda aos outros (bons) professores que passaram por minha trajetória acadêmica inspirando, estimulando e fazendo entender os benefícios de estudar, como é o caso de Renilda (Uepa), Jessiléia (Uepa), Vânia (Unama), Relivaldo (Unama), Rosane (UFPA), Netília (UFPA), Fábio (UFPA), Reg (UFPA) e Alda (UFPA).
Aos meus amigos de infância e da adolescência que acompanharam e fizeram parte do início da construção dos meus principais sonhos. Alguns repensados, modificados ou até mesmo abandonados no caminho, porque não tinham razão de ser. Outros que persistiram e se fortificaram ao longo dos anos. Aos queridos Mariana, Ricardo, Louise (e Renan), Nathalia e Amanda, obrigada por ainda se fazerem tão presentes na minha vida adulta.
Como todos, ou quase todos, sabem, minha trajetória acadêmica foi um tanto quanto longa e tortuosa para que eu conseguisse chegar onde queria. Ao longo desses sete anos dedicados ao Ensino Superior, fiz poucos, muito poucos, mas extremamente valiosos amigos. Da Uepa, a Lívia com sua voz tão doce de ouvir. Da Unama, Paloma, Lívea e Aninha e Enderson, que me ajudaram na construção deste trabalho. Da UFPA, hoje minha segunda casa, Natália (representando o Verotake), Bianca e Elisa (representando a Muvuca), moças tão lindas e que me fizeram tão bem nos últimos meses junto a esses grupos de pessoas incríveis e trabalhadoras, dispostas a transpor barreiras para a realização de sonhos coletivos sem nunca perder o sorriso no rosto.
À Anne por ter sido a primeira pessoa a me estender os braços e a me acolher na UFPA e desde então ter sido tão presente, tão afetiva, tão solidária e generosa comigo. E isso mesmo de longe, mesmo de Londres. À turma do grupo “Só no charminho” (Marília, Carol e Felipe Jailson) pelos desesperos e terapias em grupo via facechat que nos deram o combustível necessário para não desistir, tudo isso com muito humor. E um agradecimento mais que especial ao Felipe Jailson por ter sido a minha melhor companhia online e off-line desses últimos meses. Por ter cedido os ombros para eu chorar, por ter cedido os ouvidos para eu reclamar, por ter compartilhado as angústias, as alegrias, as quedas e as conquistas tão importantes para o nosso crescimento pessoal e profissional. Por ter tido paciência comigo, por ter me ajudado sempre que precisei, por não me deixar sozinha nos momentos mais difíceis, por ter me mantido acordada nas madrugadas, por todos os risos, as histórias, as piadas, as fofocas, os vídeos e os gifs diários, por ter me mostrado uma verdadeira e profunda amizade com pequenos gestos, palavras e atitudes que significaram – e significam – muito para mim.
            Obrigada também aos amigos e colegas de profissão que estiveram comigo e me ajudaram muito (muito!) nos meus estágios. Não citarei todos aqui porque são muitos e não quero cometer injustiças. Deixo então como principais representantes desse período tão importante e representativo da minha vida os dois que foram meus chefes por mais tempo – e, também por isso, os que mais me ensinaram: Edyr e Amanda. Obrigada, mesmo, por tudo o que fizeram por mim e pela amizade construída! E agradeço ainda à amizade e parceria incondicionais (e até sobrenaturais) do casal Aline e Adaucto, encontrado em meio ao dia a dia de trabalho e jamais perdido - com a bênção da Sophia e o riso inocente da Valentina, minha daminha.
            O meu sincero obrigado também aos amigos conquistados por conta deste trabalho e que me ajudaram imensamente na construção deste sonho, mesmo de longe: Aletheia e Guto. À Naza e à Neca pelos caranguejos de sábado, pelo compartilhamento de casa e wi-fi para que eu terminasse minha pesquisa e pelo tratamento cinco estrelas, respeito, solidariedade, generosidade e alegria que jamais me foram negadas nem por vocês nem pela família Bragança. Obrigada também aos meus cunhados e ao pequeno Guilherme.
            E por falar em família, a minha tem todo um jeitinho especial de ser. Com poucas ligações por sangue, mas fortes ligações por amor, esse pedaço da minha família escolhida e construída ao longo dos anos me trouxe tantas alegrias e tantos bons frutos que, devo dizer, é a melhor família não-sanguínea de todos os tempos. À Aurora, Tarsila e Tâmara (e Júnior); à Carol, Daniel e Augusto (forte inspiração para a profissão que escolhi ter); aos meus sobrinhos – lindos, fofos e extremamente amados – Fernando e João Pedro; à Marcinha e às hoje espacialmente distantes Yza e Lívia. Muito, muito, muito obrigada por existirem na minha vida. Muito obrigada por serem tão incríveis, tão amáveis e tão presentes. Agradeço também às famílias sanguíneas Almeida e Ferreira pelos encontros, pelas alegrias, pelas boas lembranças e ainda pela saudade do convívio que alimenta e fortalece o amor (beijos, Íris e Lucinha).
            Pelos últimos três (lindos) anos, eu não poderia jamais deixar de agradecer ao Pedro(x). Porque desde que começamos a namorar muitas coisas boas aconteceram, muitos sonhos foram realizados, muitos objetivos foram alcançados e juntos amadurecemos, aprendemos diariamente um com o outro e construímos uma relação de amor baseada na amizade e na parceria, no companheirismo incondicional que nos ajudou a chegar aonde chegamos e ainda vai nos levar para onde queremos. Este trabalho também foi construído por ele que jamais deixou de acreditar que eu conseguiria. 
            À minha Gordinha (representando também, em memória, meu irmão Ângelo) que tanto me enche de orgulho e tanto me faz acreditar na bondade e na generosidade do ser humano; que todos os dias invade a minha rotina com amor e alegria imensos, com um sorriso sincero em meio às grandes bochechas, com os lanches e Danettes, com as ajudas oferecidas e também as pedidas, com as horas do chamego, com a compreensão e com o gigantesco apoio dado à conclusão desta fase da minha vida.
            Obrigada ao meu pai por ter acreditado e investido em mim, por entender as minhas escolhas e apoiá-las, pela educação que me ofereceu, pelas alegrias, pelas tantas e boas lembranças registradas na memória, em fotos, em vídeos. Obrigada pela paciência e pelo carinho, por ter me acompanhado nessa difícil trajetória em busca de um diploma, em busca de recompensar por tudo o que foi feito por mim ao longo desses meus 25 anos. Agradeço por toda a ajuda e por toda a demonstração de amor, afeto e orgulho que muitas vezes pude ver só pelo brilho dos olhos.

            E finalmente, mas não menos importante, à minha mãe por não ter deixado de cumprir o papel de acolher, confortar, educar, apoiar, ajudar, aconselhar e acreditar que sonhos podem ser realizados desde que nos esforcemos para isso. Foi dela que herdei minhas principais qualidades: a determinação, a persistência e a total falta de talento para desistir de um objetivo, de um sonho. Obrigada ainda por toda a alegria e por toda a beleza de uma vida inteira dedicada a ser feliz.


OBRIGADA!

segunda-feira, 25 de março de 2013

Guerra dos Tronos - Versão Brasileira: Álamo

                                                                    Cersei
                                                                     Kahl
                                                                      Ned
                                                                      Xaro
                                                                      Robb
                                                                      Sansa
                                                                       Jon
                                                                       Sam
                                                                       Tywin
                                                                      Ygritte
Daenerys
                                                                       Jaime
                                                                      Viserys


Colaboração: pedrox

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Coisas que a gente só entende depois que se torna mãe (ou irmã)... de um cachorro!


Quando criança sempre quis ter um cachorro, mas minha mãe não deixava. Dizia que dava trabalho, gastava dinheiro e, no final das contas, só ela ficaria responsável por cuidar do animal. Dizia também que nossa casa – um apartamento com menos de 100m² - não teria espaço para um cachorro. Muito menos para a raça que eu gostaria de ter: um labrador.

Na adolescência, finalmente dei razão à minha mãe e deixei de lado a vontade de ter um cãozinho correndo e latindo pela casa. Passei a curtir os cachorros dos meus vizinhos e amigos, mas sempre com um distanciamento de quem nunca teve um cão em casa. Não entendia, por exemplo, o amor exagerado que meus amigos donos tinham pelos seus respectivos animais. Eles diziam que era bem parecido com o amor que pais têm pelos filhos humanos. Eu pensava “mas quando, não existe isso!”.

Mas, como diria Joseph Climber, a vida é uma caixinha de surpresas. Em julho do ano passado mamãe veio me acordar segurando nas mãos um cãozinho preto tão pequeno quanto indefeso. Eu, acostumada a receber visitas de cachorros vizinhos, logo perguntei:

            - De quem é, mãe?
            - É nosso!
            - O QUE?
            - É nosso e é uma fêmea. O nome dela é Penha, em homenagem às Empreguetes. Peguei ela na feira de adoções da Praça da República.

Pulei da cama, acordei de vez na mesma hora. Não quis acreditar no que eu estava vendo e ouvindo. Mamãe, claro, só poderia estar brincando. Segurei a Penha no colo e, pronto, me apaixonei perdidamente. Se era nossa ou não, não sabia, não tinha certeza. Mas estava disposta a garantir que a Penha não iria mais embora da minha casa. A cara dela de Simbá quando é levantado na Pedra do Rei era linda demais pra não ser mais olhada e admirada.



Mas eis que mamãe, a danada Laura Rosa, estava mesmo falando sério. A cachorra era nossa. E agora? Ficamos dias pensando se daria mesmo para ela ficar com a gente, muitas perguntas e nenhuma resposta. “Como vamos manter num apartamento uma cachorra que é o cruzamento de vira-lata com labrador?”, “Não temos como comprar a ração dela!”, “E se ela destruir o sofá, os móveis, derrubar e quebrar as coisas, o que vamos fazer?”, “E quando ela tiver que ficar sozinha?”. “Ah! Não dá pra ela ficar aqui...”, pensou meu padrasto e minha irmã. “A gente dá um jeito”, pensou minha mãe e eu. “A gente pode ficar umas semanas com ela e, se não der certo, damos a Penha pra alguém”. Que ideia ridícula a minha! “A gente vai se apegar a ela e ela à gente, se for pra ficar, vai ter que ficar de vez”, ponderou meu padrasto.

Em meio a tantas dúvidas, a Penha acabou ficando e conquistou a casa inteira. Quando a gente se deu conta, não tinha mais jeito. Ela já fazia parte da família. A partir daí comecei a recuperar minhas memórias de infância. A primeira, que me vem à cabeça até hoje quando chego em casa, é a da minha amiga Mariana, que mora no mesmo prédio que eu e que conheço desde a infância. Mariana sempre teve cachorro. Na infância, a casa dela era alegrada pela poodle Princesa, que faleceu há alguns anos. Eu gostava muito da Princesa, mas não entendia um bocado de coisas, não entendia a devoção, amor e extrema proteção que a Mariana e o irmão davam a ela. Lembro que julguei como exagerada a reação que a minha amiga teve quando a Princesa morreu: ficou o dia inteiro em casa, não quis ir brincar e chorou muito. Eu fiquei triste também, claro. Mas depois pensava “é só um cachorro!”. Ah! Quanta ingenuidade...

Também lembro da minha prima – e da família dela – que ficaram em desespero depois que o Luck (era esse o nome dele? Acho que sim...) fugiu da casa deles em Salinas. Houve uma enorme comoção, cartazes foram distribuídos (se eu bem me lembro), procuraram pelas redondezas e tudo o mais, mas o cachorro nunca foi encontrado. Eu também gostava muito do Luck, fiquei triste por ele ter fugido, mas de novo pensava “é só um cachorro. Logo, logo compram outro e fica tudo bem”. Mariana, Mariana... quanta asneira!

Foi já fase adulta que fui entender o espaço (físico e sentimental) que um animal de estimação pode ocupar na casa e na vida dos donos. Mais especificamente, foi depois de ler o livro Marley & Eu (é! Eu leio best-sellers de vez em quando, ora!) que eu desenvolvi um apego maior por cães. Achava o Marley engraçado, ria muito das histórias dele. Principalmente as que tinham a base “Marley pulou em fulano”. Pensava “quero ter um cão que nem o Marley, mas sem ser tão atentado e eufórico quanto ele”. Foi com o Marley que eu percebi que finalmente tinha maturidade para ter um cão – apesar de não dispor de tanto tempo assim.

Aí veio a Penha com seus olhos um pouco azuis, com ar de pedinte e cara de santa. Aí veio a Penha querendo brincar o tempo inteiro de mordidinha, querendo pular o tempo inteiro em cima da gente, incomodando as visitas, destruindo chinelas e almofadas, roubando meias, lambendo a comida dos outros, acordando a gente com as patas, montando estratégias para fugir de mim na hora do banho... Aí veio a Penha causando transtornos à família ao mesmo tempo em que foi se tornando o centro e a maior alegria da casa.

Toda a ideia desse post surgiu quando eu fui levar a Penha para passear na rua e vi uma pessoa suspeita parada na calçada. Eu não tinha nada comigo: dinheiro, celular, jóia... nada disso. A única coisa de valor com a qual eu havia saído de casa era a Penha. Fiquei imaginando mil coisas absurdas, mas que me fizeram refletir sobre o amor que construí pela minha “cã”. Fiquei pensando “e se um bandido quisesse me assaltar, descobrisse que eu não tenho dinheiro ou celular e decidisse fazer mal à Penha? E se ele quisesse machucá-la, mata-la ou algo tipo?”. Fiquei logo angustiada ao pensar nisso e me dei conta, pela primeira vez em meses, o quão disposta eu estaria em me sacrificar para salvar a vida da Penha.

Quando a Penha veio morar aqui em casa, lembro de um amigo, o Victor, relatando o quanto a família teve que gastar para salvar a vida do cachorro que mora na casa dele, que a família precisou tirar dinheiro de onde não tinha para não deixar o cão morrer. No fim, o Victor disse pra mim “te prepara! Ter cachorro em casa é dar a vida por ele, se necessário. Vocês vão precisar se sacrificar muito pela Penha, caso ela precisa, e vocês não vão medir esforços pra isso”. Mais uma vez pensei “que exagero!”, mas hoje, depois de sete meses de Penha na minha vida, vejo que não é exagero nenhum.

Às vezes me flagro contando mil histórias sobre a Penha, empolgada, com sorriso no rosto e achando o assunto mais interessante do mundo. Às vezes me flagro até admirando as marcas de arranhões e mordidas que a Penha deixa em mim durante as brincadeiras. Acho todas lindas, gosto de mostrar aos amigos, conto rindo como a Penha fez isso em mim. Até esqueço de dói, arde e incomoda. E daí? Ela brinca assim mesmo, é uma criança estabanada que nem a irmã (no caso, eu!).

Quando viajei em setembro para Fortaleza, a primeira saudade que tive foi da Penha. Quando viajei em dezembro para o Rio de Janeiro, a primeira saudade que tive também foi da Penha (que mamãe não leia isso e, se ler, que me perdoe). Quase choro de saudade quando mamãe e Camila contaram que a Penha tinha menstruado, que agora era uma mocinha. Mamãe me mandou uma foto da Penha vestindo calcinha e eu fiquei pensando “Meu Deus! Eu não to do lado dela num momento como esse, não to acompanhando de perto o crescimento da minha cachorrinha”. Sofri. E fiquei buscando notícias e querendo ver fotos dela diariamente. Quando voltei, comprei uma calcinha linda e fofa no Pet Shop pra Penha poder usar. Uma lindeza só!

A Penha foi incluída até nas angústias sobre o meu futuro. Daqui há uns meses (ou daqui há uns anos) precisarei sair de Belém para estudar e, agora, fico pensando “mas e a Penha? E se acontecer alguma coisa com ela enquanto eu estiver fora?”. É horrível pensar também que eu posso não ter mais como acompanhar todas as fases de vida dela. Não sei mais como é chegar em casa e não ter a Penha pra me receber com uma felicidade tão imensa e tão sincera que jamais vi na vida. Às vezes, já saio do elevador pensando “de onde a Penha vai vir correndo dessa vez pra pular em cima de mim?”. Não sei mais também como é sentar à mesa para comer e não sentir a Penha deitando delicadamente entre os meus pés e me dando pena de me levantar para qualquer coisa que seja.

A verdade, meus caros, é que cachorros transformam a vida da gente por completo. Mudam a rotina e os costumes da casa, as relações e os tratamentos, nos dão responsabilidades ainda maiores, são incluídos nos planejamentos e nas histórias da família. E quem disse que a gente reclama disso? Nunca! Brigamos com a Penha quando ela apronta, nos estressamos muitas vezes, é claro. Mas nunca, nunca nos arrependemos de tê-la dentro de casa, nunca deixamos de demonstrar amor por ela em qualquer momento que seja. Rimos até de quando ela tenta nos expulsar do sofá ou da cama para poder deitar. Abusada! E ela fica ainda mais linda quando escuta a família reunida em algum canto da casa e quer participar da conversa a todo custo. Afinal, filha e irmã caçula é assim, enxerida (eu que o diga!).

A verdade, meus caros, é que só quem tem ou já teve cachorro conseguirá entender minhas palavras, muitas escritas com lágrimas só pensar em todo o amor que aprendi a ter pela Penha.

Te amo, cã!


PS: o post ficou muito grande, deu preguiça de revisar. perdoem os erros, caso haja algum. Obrigada! :)

domingo, 21 de outubro de 2012

Retrospectivando a teledramaturgia em 2012


Quando finalmente decidi que seria pesquisadora em teledramaturgia e teria minha vida acadêmica (TCC, Mestrado e Doutorado) guiada por esse tema, ainda era março de 2012, final da minha eterna telenovela favorita A Vida da Gente – do horário das 6 – e sequer desconfiava o que ainda estava por vir nos horários nobres (ou quase nobres) da Rede Globo. Cheias de Charme, no horário das 7, e Avenida Brasil, no horário das 9, completaram a avalanche de inovações em telenovelas – nem menciono Gabriela porque não consegui assistir a um capítulo sequer.

Como já disse – acima e em texto mais antigo publicado neste blog, “A Vida da Gente”, escrita por Lícia Manzo, trouxe para a tela personagens e diálogos (e monólogos!) nunca antes vistos na televisão. A fórmula já havia sido maciçamente usada por Manoel Carlos, mas Lícia completou com sal temperado – se é que me entendem. Personagens tão verossímeis que chegavam ao ponto de incomodar o telespectador. Às vezes, a sensação era a de que a nossa vida privada tinha sido invadida ou observada sem percebermos. Não foi à toa, e todos sabem disso, que chorei em todos os capítulos dos dois primeiros meses de novela. As atuações e a máxima ausência de clichês nos textos colaboraram, e muito, para isso. Lícia soube explorar o “retratar a realidade” a seu favor.

Apesar de não ter sido sucesso de audiência – justificado, talvez, pela profundidade nos dramas dos personagens, quase sem ter momentos de leveza e divertimento, e pela menor dinamicidade comumente vista em outras tramas, “A Vida da Gente” serviu, também, como mais um trampolim de experimentações, uma espécie de telenovela piloto para mostrar o que ainda está por vir. Experimentações em fotografia e técnicas de filmagem (os ângulos das câmeras já não eram os mesmos de sempre, os objetos de cena misturavam-se com os atores... várias possibilidades foram executadas tendo o cinema como inspiração principal), além da experimentação de novos autores – para renovar o quadro já exaustivo, novas formas de narrativa e novos enredos. Lembrando que essas inovações já estavam sendo explicitamente testadas antes – em Cordel Encantado, por exemplo, que não pude acompanhar como gostaria e outras anteriores também de época.

[link para a cena em que Ana e Manu brigam - a minha preferida e com o melhor texto que já ouvi - e decorei: http://tvg.globo.com/novelas/a-vida-da-gente/capitulo/2012/2/14/ana-procura-manu-e-as-irmas-discutem.html]

VIDA DE EMPREGUETE
Dias depois, a Globo entregou um verdadeiro presente aos fãs de teledramaturgia: Cheias de Charme, no horário das 7. Apesar de ter entrado na lista das minhas telenovelas preferidas, não escrevi para cá nada específico sobre ela. Não por falta de vontade, preguiça ou criatividade, mas sim porque o fenômeno “Cheias de Charme” rendeu uma quantidade absurda de textos e artigos publicados na Internet e em meios acadêmicos que nunca vi em nenhuma outra ocasião. É só “googlar” para saber do que estou falando.

“Empreguetes” (como ficou mais conhecida e como prefiro chamar) inovou em tudo, ou quase tudo, que poderia. A começar pelos autores estreantes: Filipe Miguez e Izabel de Oliveira – alguém já tinha ouvido falar no nome deles? Eu não. Não que eu lembre. Os dois, talvez sem muita pretensão, decidiram escrever uma trama em que a figura da empregada doméstica fosse a protagonista. É possível que muitos não se deem conta da representatividade que a ideia tem: criar não só uma, mas três empregadas domésticas, de fato, como protagonistas é como se os autores gritassem “a classe D e C estão aí, reivindicando espaço, querendo e merecendo ser representadas como são e como gostariam de ser”. E assim foi! A empregada chefe de família, a empregada cantora e a empregada sonhadora mostradas de forma igualitária ao lado da também protagonista Chayene, rainha do eletroforró e inimiga das três.

Mas o maior trunfo de Empreguetes, que foi e está sendo freneticamente estudado, é a mudança de postura que a Globo assumiu com relação à Internet. Pela primeira vez (sim, porque aquele blog fuleirinho da Luciana, de Páginas da Vida, era apenas um aperitivo para os mais desocupados, um teste de como o meio digital poderia ser usado a favor das tramas da emissora), a Internet funcionou para alavancar e direcionar os rumos da novela. O tempo inteiro havia troca entre o meio televisivo e o digital, um trabalho fantástico de transmídia que deu (e muito!) certo.  

OI OI OI
Já com o horário das 9, o cuidado foi redobrado. Há meses a Globo vinha patinando e se perdendo com telenovelas que nada ou quase nada de novo tinham a acrescentar. Uma situação perigosa para o horário mais importante da emissora. A escolhida para reverter esse quadro foi Avenida Brasil, de João Emanuel Carneiro.

Com uma temática já batida (vingança, justiça, traição e blá blá blá), a novela veio com um elenco afinado, com texto bem trabalhado e com as técnicas de cinema na ponta da mão. Fotografia cheia de detalhes, câmera na mão, frases de efeito, muito suspense e atores que sabiam muito bem o que precisavam fazer (até o Murilo Benício conseguiu melhorar durante a trama).

“Avenida Brasil” não revolucionou o gênero, mas foi necessária. O sucesso e a projeção que recebeu não seriam possíveis sem a Internet. O autor soube aproveitar os benefícios (e malefícios) desse meio. Os textos – e abertura - eram, digamos assim, fábrica de “memes”, construídos justamente para impregnar as redes sociais e alavancar público e audiência. Aliado a isso, ainda vinham a narrativa acelerada e as reviravoltas dos personagens.

No entanto a novela decepcionou. Sozinho (e tendo que escrever mais de 100 páginas de roteiro por dia, provavelmente), o autor não deu conta de levar até o fim o ritmo a que se propôs. Já pelo meio, a trama se perdeu, os furos de roteiro ficaram ainda mais visíveis, os personagens secundários tornaram-se terciários. O núcleo da casa do Tufão ganhou uma projeção tão grande que ofuscou os outros núcleos e todas as tentativas para mudar esse quadro não deram certo como deveriam. A obra ficou maior que o previsto, maior do que o autor poderia suportar. A última semana, eu diria, foi trágica. Nada parecia fazer sentido, tudo parecia ter sido feito às pressas e de qualquer jeito. Uma pena!

Mas, apesar dos erros, “Avenida Brasil” cumpriu seu papel. Levou a classe C ao pódio principal, interagiu com o público por diversos meios, emplacou de vez as inovações técnicas no horário e discutiu temas importantes à sociedade. Um dos principais foi a poligamia, vivida pelo núcleo de Cadinho e de Suelen. Temática delicada, ainda desconfortável, mas que precisa ser trabalhada assim como foi, em décadas passadas, o homossexualismo. Mas o autor, talvez pela própria pressão da sociedade, não soube explorar bem a potencialidade do tema e dos personagens. Se não fosse pelos atores, os dois núcleos teriam sido um verdadeiro desastre.

CONCLUINDO
Todas as mudanças, “revoluções”, inovações e surpresas das novas telenovelas são resultado de décadas de pesquisa que a Rede Globo vem desenvolvendo. Pesquisas, principalmente, sobre TV Digital. Todas as experimentações (que estão finalmente sendo mostradas) são tentativas de se adequar à nova tecnologia que traz novas formas de consumo e de apropriação dos produtos. Era preciso reconquistar o público que estava sendo, um pouco, perdido para a Internet. Era preciso adequar-se às novas plataformas, trazer profissionais, histórias, temáticas e técnicas novas, reformular o quadro e as fórmulas utilizadas por décadas durante o período de TV analógica.

Além disso, era preciso adequar-se à nova realidade social e econômica do país. A classe C tomou conta do mercado e incluí-la como principal em produtos televisivos era necessário. É a classe que atualmente mais gera lucro e valor aos produtos. Era preciso representá-la na TV da forma como ela é, e não só como gostaria de ser, para não perdê-la ainda mais de vista, como vinha (e está) acontecendo por conta das TVs por assinatura – com cada vez mais adeptos no país, principalmente os da classe C.

A teledramaturgia brasileira assumiu um novo caminho (riquíssimo para quem a estuda) e assim será, ou tentará ser, pelos próximos anos. Os antigos teledramaturgos estão sendo aos poucos aposentados para dar lugar aos novos, com novas ideias e novas funções. Uma transformação que só tem a beneficiar emissora e telespectador, como foi o caso das três novelas acima citadas. Infelizmente (ou felizmente) ficarei agora um bom tempo sem acompanhar novelas. Falta tempo para assistir a das 6 e a das 7 e, quanto à nova das 9 que começa agora... Não sou obrigada a arder no mármore do inferno com mais uma bomba de Glória Perez. Não mesmo! Mas depois de uma novela ruim, quase sempre vem uma boa para compensar (ouviu, Globo? Colabora!). 

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Uma comédia que de “intocável” não tem nada


“Intocáveis”... É um título um tanto quanto inadequado se for pensar na sensação que o filme deixa nos espectadores depois da sessão. Um pouco difícil também apreendê-lo como uma comédia, conforme classificação feita pelos críticos. Nem mesmo a trilha sonora colabora para isso. Mas definitivamente Intocáveis é engraçado, muito engraçado. Confesso ter tido crises de riso em algumas cenas, intercalando com quase choros. Talvez uma comédia romântica diferente do que estamos acostumados a ver? Pode ser...

Lançado em 2011 e com mais de 20 milhões de espectadores só na França, país de origem, “Intocáveis”, escrito e dirigido pela dupla Eric Toledano e Olivier Nakache, narra uma história baseada em fatos reais em que Philippe (interpretado por François Cluzet), um aristocrata rico que fica tetraplégico depois de sofrer um acidente em um voo de parapente, precisa contratar uma pessoa para lhe ajudar no dia a dia. Depois de dispensar vários candidatos qualificados para o cargo, Philippe decide contratar Driss (interpretado por Omar Sy), um senegalês recém-saído da prisão que se inscreveu para a vaga só para conseguir uma assinatura e poder receber o auxílio desemprego do Governo.

Cansado de ser motivo de pena e compaixão dos que o cercam, Philippe se interessa por Driss justamente pela falta disso. A relação entre os dois começa com uma aposta: a de que Driss não aguentaria trabalhar na mansão de Philippe por mais de uma semana. Ao se sentir desafiado, Driss decide aceitar o serviço, rendendo algumas das cenas mais hilárias do filme. Sem experiência e tato nenhum para esse tipo de trabalho, o senegalês passa por situações constrangedoras, como a de trocar produtos durante o banho ou ter que vestir as meias terapêuticas em Philippe.

A melhor classificação que Driss poderia receber é a de “ogro”. Um homem típico da periferia de Paris, sem modos, acostumado a resolver os problemas à base da gritaria e da ameaça – filosofia que, para ele, funciona muito bem; que não sabe se comportar em um museu de obras de arte ou durante uma ópera no teatro – aliás, a cena da ópera é uma das mais engraçadas que já vi. Mas na verdade, Driss é, como ele mesmo se define, pragmático, sem rodeios, sem se preocupar com o que os outros vão pensar a respeito das suas opiniões ou preferências. Confesso uma identificação com Driss em algumas situações. E pelas reações dos que estavam assistindo ao filme, com certeza não fui a única pessoa a se enxergar como o personagem.

Já Philippe, ao lado das outras pessoas que moram com ele na mansão, é um típico aristocrata francês, preso em seu mundo dedicado a contemplar obras de arte (de gosto um tanto quanto duvidoso, como o próprio Driss assinala), música clássica, poesia, literatura, óperas... Os dois personagens, que inicialmente parecem não ter qualquer tipo de semelhança entre si, representam as duas faces mais opostas de Paris (e de tantas outras grandes cidades), mostrando o cotidiano da periferia e o da classe alta francesa.


Driss faz pouco da situação de Philippe e se diverte com isso. O que pode parecer - e às vezes talvez seja - piada de mau gosto sobre a deficiência física é, na verdade, uma maneira inconsciente que Driss encontra para tornar Philippe mais humano, trazê-lo para a realidade, tirá-lo da bolha protetora em que o colocaram desde o acidente; fazer com que Philippe lembre que ainda está vivo e ainda tem motivos para rir e ser feliz. A relação de amizade e parceria estabelecida entre os dois me fez lembrar muito o filme “Sempre Amigos”, aquele que todos nós já vimos sobre o menino Kevin, superdotado, mas com uma doença que o impede de se locomover, que se torna amigo de Max, um rapaz de 14 anos com dificuldades de aprendizado.

Como já deu para perceber, o grande destaque do filme é a atuação de Omar Sy. Seu porte físico, o sorriso, a maneira de andar, o timbre a voz e a desenvoltura, fazem do personagem que o ator interpreta um ser assustador e ao mesmo tempo carismático. A vontade que dá é a de também ser amigo de Driss. O trabalho em Intocáveis rendeu a Omar Sy um prêmio César, o Oscar francês, na categoria de melhor ator, desbancando o ganhador da premiação norte-americana Jean Dujardin, protagonista de O Artista.

Intocáveis é a produção francesa mais assistida de todos os tempos, ficando à frente de filmes como o já mencionado O Artista e O Fabuloso Destino de Amelie Poulain. No entanto, o longa possui algumas falhas de roteiro e direção que podem passar despercebidas diante do êxtase das cenas engraçadas ou emocionantes. Toledano e Nakache falharam um pouco ao não extrair mais profundamente dos dois personagens principais a característica que dá título ao filme. Já no início ficamos com a impressão de que Philippe e Driss não são tão intocáveis assim como dizem as más línguas. Talvez tenha sido mesmo essa a intenção dos diretores, mas acho que isso não precisava ficar claro logo no início da projeção.

Mas ainda assim o filme consegue ser deliciosamente bom, com um timing excelente para a comédia e a dose certa de drama necessária para aproximar os personagens. Enfim, um filme tocante, apesar do nome, que nos deixa a sensação de ser mais uma obra-prima do cinema francês. Ao melhor estilo Driss, apostaria 100 euros – se eu tivesse, claro – que não há como se arrepender em assistir a esse filme.

Curiosidade
Na vida real, o milionário tetraplégico Philippe Pozzo di Borgo contrata o algeriano Abdel Sellou para ser seu ajudante. Os roteiristas e diretores Érico Toledano e Olivier Nakache transformaram as histórias contadas por Philippe no livro “O Segundo Suspiro” em uma comédia dramática, em que o personagem de Omar Sy é, no filme, um senegalês.

PS: O trailer é um tanto fraco, longe de passar a emoção do filme, mas é sempre bom conferir, né? 

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Vida de Cachorrete

Por sugestão de Felipe Jailson e Marília Jardim, segue minha linda homenagem à mais nova integrante da família, a Penha.



Todo dia acordo cedo
Fico longe do meu berço
Quando chega a minha dona, quero passear
To sempre cheia de ração
Faço xixi e cocô no chão
E a dona quer ver pulga até onde não há

Queria ver a minha dona aqui no meu lugar, ia latir de me acabar
Queria ver a minha dona aqui no meu lugar, com banho chato pra tomar

A poodle quis deixar bem liso o cabelo dela
E a yorkshire riu que só da cara dela
A chihuahua toda chata, late tão desesperada
Só sabe reclamar, nunca faz nada

Queria ver a minha dona aqui no meu lugar, ia latir de me acabar
Só vendo a minha dona aqui no meu lugar sem uma bola pra brincar

Refrão
Eu sou uma cachorrete, acordo às sete
Fim de semana to no pet pra poder charlar
Um dia eu gravo um filme besta em que os cachorros falam
Toda estrela vou com a minha dona passear

Au au auauauera au au auauauera au au auauaaaa


TE AMO, PENHA!

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Mary & Max: uma lição sobre autismo e amizade


Em uma conversa sobre autismo, uma grande amiga minha, que hoje é psicóloga, mostrou o trailer de um filme feito de massinha e praticamente sem cor. Achei estranho, mas fiquei interessada pelo roteiro (baseado em fatos reais) e pelo trailer – com uma trilha sonora fofinha. Minha amiga disse que o filme poderia ajudar no trabalho e na formação acadêmica da minha irmã, estudante de Psicologia. Depois de um tempo, quando tive mais paciência e disposição, resolvi arriscar e loquei o filme (lá na Fox Vídeo) para assistir.

Na locadora, o filme pode ser encontrado na prateleira de “comédia”. Com essa classificação pensei: “vou até fazer pipoca, o filme parece ser divertido”. Mas aí veio a surpresa que até hoje não sei dizer se foi boa ou ruim. A comédia era, na verdade, um drama (tragicômico talvez?). Imaginem vocês: um drama feito de massinha, todo fofo (apesar da quase ausência de cores), com jeitinho de inocente e inofensivo.

Mary & Max (2009), escrito e dirigido por Adam Elliot é, provavelmente, um dos melhores e mais surpreendentes filmes que já vi. É claro que o fato da história ser real contribui bastante para essa minha conceituação. Mas não é só isso. A história é bem contada, de forma leve (e até divertida – daí a justificativa de ser “comédia”), tratando de assuntos tão delicados com uma linguagem acessível, próxima da nossa realidade, do nosso cotidiano.

O ENREDO
Vamos então ao enredo. Mary é uma criança australiana de 8 anos, filha de uma mãe alcoólatra e displicente. Portadora de um “nível mais leve” (se é que eu posso chamar assim) de autismo, Mary não tem amigos, não tem com quem conversar, com quem trocar experiências. Certo dia, vasculhando uma lista telefônica, decide escolher aleatoriamente uma pessoa para mandar uma carta, tentar uma amizade, uma forma de se comunicar. E o nome escolhido para uma possível amizade é Max.

Max é um nova-iorquino com mais de 40 anos que mora em apartamento quase sem móveis, tendo como companhia um aquário onde vive apenas um peixe. Portador de um “nível mais grave” de autismo, Max não tem família e também não tem amigos. É obeso, judeu e virgem. Quando chega a carta de Mary – uma completa estranha que mora do outro lado do mundo - reacende em Max a esperança de ter enfim um amigo, alguém com quem ele possa conversar.

Mary, como toda criança curiosa, vê em Max uma oportunidade de esclarecer dúvidas banais e corriqueiras, dessas que as crianças costumam ter, mas nem sempre tem para quem perguntar. Coisas como “de onde vêm os bebês?”, “o que é camisinha?”, “o que é o amor?”, entre outras perguntas inocentes, típicas da idade dela. No entanto, esses questionamentos acabam por despertar em Max lembranças, traumas, perguntas nunca respondidas que voltam a perturbá-lo carta a carta. Max acaba respondendo às dúvidas de Mary com a mesma inocência com que ela perguntou. Em uma das cartas, Mary pede conselho a Max sobre como ela deve reagir quando os colegas da escola a maltratarem. Max sofre então uma crise de autismo ao relembrar de todas as vezes em que apanhou na escola, quando criança, por ser autista, obeso e judeu. Pra mim, essa é uma das cenas mais marcantes do filme.

A troca de cartas entre os dois dura anos, mais de uma década. Algumas delas são acompanhadas de fotos, barras de chocolate, latas de leite condensado, bonecos colecionáveis, entre outros anexos, conforme um vai conhecendo o outro, sabendo o que gosta, o que não gosta e o que gostaria de conhecer. Sem nunca se encontrarem, Mary e Max criam um laço de amizade que para nós pode parecer bobo, sem muita importância, mas para eles é o único laço construído durante anos de vida, o único meio de comunicação com o mundo. Passados alguns anos, depois de casar e enfrentar uma separação, Mary usa o caso clínico do amigo Max como objeto de pesquisa acadêmica que logo é transformada em livro. O livro, que talvez seja uma maneira de Mary tentar entender a si mesma, acaba criando uma série de situações que levam Mary a Nova York para finalmente encontrar Max. Mas o resultado desse encontro, é claro, não vou contar. É um spoiler cruel demais, não me autorizo.

Uma das coisas que mais chama a atenção no filme são as cores (ou ausência delas). O universo de Mary é todo retratado em tons de sépia, combinando com o ambiente rural e interiorano do lugar onde ela mora, além de trazer uma serenidade e inocência que fazem parte da personalidade da personagem. Já o universo de Max, em uma das maiores cidades do mundo com todos os problemas que tanta grandiosidade oferece, é todo em preto e branco, meio sem graça, sem perspectivas e sem esperanças. Nada mais adequado para um homem com mais de 40 anos que nunca namorou, nunca teve amigos nem filhos nem dinheiro.


LEMBRANÇAS
Se eu fosse professora de crianças, certamente usaria Mary & Max como didática com os meus alunos. Por trás de todo o valor que pode haver em uma amizade, com todos os seus altos e baixos, o filme trabalha a temática do autismo de uma forma tão delicada quanto à própria doença – se é que eu posso chamar assim.

A história dos dois me fez lembrar dos meus tempos de colégio. Na minha sala estudava um menino que, na época, chamávamos de estranho/ pomba lesa/ doido, essas coisas maldosas que as crianças fazem até hoje com os colegas. Ele, tal qual Max ou Mary, não conseguia criar laços de amizade com ninguém da escola. Volta e meia, sofria umas crises estranhas em que tapava os ouvidos, balançava o corpo pra frente e pra trás e fazia ruídos com a boca. Nem preciso falar que isso era motivo suficiente para que todos na sala ficassem rindo, ridicularizando o menino. Com o tempo, e com a insistência dos professores e coordenadores, nós fomos aprendendo a conviver com ele, buscando maior aproximação e diminuição do bullying.

Anos depois, quando eu já estava na faculdade, lembrei desse menino e fiquei pensando o que teria acontecido com ele (pergunta que me faço até hoje). Repassando na memória os acontecimentos em sala de aula, finalmente me dei conta de que meu colega era autista. Mais tarde, percebi algo bem pior: de que os pais e os professores nunca souberam como lidar com a situação. Nunca disseram aos alunos por que o menino era assim, nunca nos explicaram o que era autismo e por que precisávamos constituir uma amizade com o garoto. Não sei se por resistência dos pais ou se por incompetência dos professores. Só sei que isso com certeza prejudicou o menino e atrasou o amadurecimento dos alunos como seres humanos.

Com Mary & Max eu sinceramente espero que esse tipo de situação, esse despreparo das escolas e até dos pais em lidar com o autismo seja diminuído e diluído aos poucos.


Apesar de ter sido classificado pela crítica especializada como “comédia”, o filme me fez chorar (tá, tem alguns momentos que são engraçados, mas é aquele engraçado do tipo “rir pra não chorar”, sabe?), trouxe lembranças um tanto quanto amargas (além dessas das quais falei) e as boas também. Sem dúvida, é um daqueles filmes que a gente coloca no cantinho especial da prateleira cinéfila.

OBS: Quando fomos devolver o filme na Fox Vídeo, reclamamos ao vendedor sobre a classificação de gênero que foi dada a Mary & Max. O vendedor concordou com a gente e disse que o filme não era mesmo para estar na prateleira de comédia, mas a Fox precisa seguir a classificação dada por críticos especializados. Sendo assim, nada poderia fazer a respeito.