Quando criança sempre quis ter um
cachorro, mas minha mãe não deixava. Dizia que dava trabalho, gastava dinheiro
e, no final das contas, só ela ficaria responsável por cuidar do animal. Dizia
também que nossa casa – um apartamento com menos de 100m² - não teria espaço
para um cachorro. Muito menos para a raça que eu gostaria de ter: um labrador.
Na adolescência, finalmente dei
razão à minha mãe e deixei de lado a vontade de ter um cãozinho correndo e
latindo pela casa. Passei a curtir os cachorros dos meus vizinhos e amigos, mas
sempre com um distanciamento de quem nunca teve um cão em casa. Não entendia, por
exemplo, o amor exagerado que meus amigos donos tinham pelos seus respectivos
animais. Eles diziam que era bem parecido com o amor que pais têm pelos filhos
humanos. Eu pensava “mas quando, não existe isso!”.
Mas, como diria Joseph Climber, a
vida é uma caixinha de surpresas. Em julho do ano passado mamãe veio me acordar
segurando nas mãos um cãozinho preto tão pequeno quanto indefeso. Eu,
acostumada a receber visitas de cachorros vizinhos, logo perguntei:
-
De quem é, mãe?
-
É nosso!
-
O QUE?
-
É nosso e é uma fêmea. O nome dela é Penha, em homenagem às Empreguetes. Peguei
ela na feira de adoções da Praça da República.
Pulei da cama, acordei de vez na
mesma hora. Não quis acreditar no que eu estava vendo e ouvindo. Mamãe, claro,
só poderia estar brincando. Segurei a Penha no colo e, pronto, me apaixonei
perdidamente. Se era nossa ou não, não sabia, não tinha certeza. Mas estava
disposta a garantir que a Penha não iria mais embora da minha casa. A cara dela
de Simbá quando é levantado na Pedra do Rei era linda demais pra não ser mais
olhada e admirada.
Mas eis que mamãe, a danada Laura
Rosa, estava mesmo falando sério. A cachorra era nossa. E agora? Ficamos dias
pensando se daria mesmo para ela ficar com a gente, muitas perguntas e nenhuma
resposta. “Como vamos manter num apartamento uma cachorra que é o cruzamento de
vira-lata com labrador?”, “Não temos como comprar a ração dela!”, “E se ela
destruir o sofá, os móveis, derrubar e quebrar as coisas, o que vamos fazer?”,
“E quando ela tiver que ficar sozinha?”. “Ah! Não dá pra ela ficar aqui...”,
pensou meu padrasto e minha irmã. “A gente dá um jeito”, pensou minha mãe e eu.
“A gente pode ficar umas semanas com ela e, se não der certo, damos a Penha pra
alguém”. Que ideia ridícula a minha! “A gente vai se apegar a ela e ela à
gente, se for pra ficar, vai ter que ficar de vez”, ponderou meu padrasto.
Em meio a tantas dúvidas, a Penha
acabou ficando e conquistou a casa inteira. Quando a gente se deu conta, não
tinha mais jeito. Ela já fazia parte da família. A partir daí comecei a
recuperar minhas memórias de infância. A primeira, que me vem à cabeça até hoje
quando chego em casa, é a da minha amiga Mariana, que mora no mesmo prédio que
eu e que conheço desde a infância. Mariana sempre teve cachorro. Na infância, a
casa dela era alegrada pela poodle Princesa, que faleceu há alguns anos. Eu
gostava muito da Princesa, mas não entendia um bocado de coisas, não entendia a
devoção, amor e extrema proteção que a Mariana e o irmão davam a ela. Lembro
que julguei como exagerada a reação que a minha amiga teve quando a Princesa
morreu: ficou o dia inteiro em casa, não quis ir brincar e chorou muito. Eu
fiquei triste também, claro. Mas depois pensava “é só um cachorro!”. Ah! Quanta
ingenuidade...
Também lembro da minha prima – e
da família dela – que ficaram em desespero depois que o Luck (era esse o nome
dele? Acho que sim...) fugiu da casa deles em Salinas. Houve uma
enorme comoção, cartazes foram distribuídos (se eu bem me lembro), procuraram
pelas redondezas e tudo o mais, mas o cachorro nunca foi encontrado. Eu também
gostava muito do Luck, fiquei triste por ele ter fugido, mas de novo pensava “é
só um cachorro. Logo, logo compram outro e fica tudo bem”. Mariana, Mariana...
quanta asneira!
Foi já fase adulta que fui
entender o espaço (físico e sentimental) que um animal de estimação pode ocupar
na casa e na vida dos donos. Mais especificamente, foi depois de ler o livro
Marley & Eu (é! Eu leio best-sellers de vez em quando, ora!) que eu
desenvolvi um apego maior por cães. Achava o Marley engraçado, ria muito das
histórias dele. Principalmente as que tinham a base “Marley pulou em fulano”.
Pensava “quero ter um cão que nem o Marley, mas sem ser tão atentado e eufórico
quanto ele”. Foi com o Marley que eu percebi que finalmente tinha maturidade
para ter um cão – apesar de não dispor de tanto tempo assim.
Aí veio a Penha com seus olhos um
pouco azuis, com ar de pedinte e cara de santa. Aí veio a Penha querendo
brincar o tempo inteiro de mordidinha, querendo pular o tempo inteiro em cima
da gente, incomodando as visitas, destruindo chinelas e almofadas, roubando
meias, lambendo a comida dos outros, acordando a gente com as patas, montando
estratégias para fugir de mim na hora do banho... Aí veio a Penha causando
transtornos à família ao mesmo tempo em que foi se tornando o centro e a maior alegria
da casa.
Toda a ideia desse post surgiu
quando eu fui levar a Penha para passear na rua e vi uma pessoa suspeita parada
na calçada. Eu não tinha nada comigo: dinheiro, celular, jóia... nada disso. A
única coisa de valor com a qual eu havia saído de casa era a Penha. Fiquei
imaginando mil coisas absurdas, mas que me fizeram refletir sobre o amor que
construí pela minha “cã”. Fiquei pensando “e se um bandido quisesse me
assaltar, descobrisse que eu não tenho dinheiro ou celular e decidisse fazer
mal à Penha? E se ele quisesse machucá-la, mata-la ou algo tipo?”. Fiquei logo
angustiada ao pensar nisso e me dei conta, pela primeira vez em meses, o quão
disposta eu estaria em me sacrificar para salvar a vida da Penha.
Quando a Penha veio morar aqui em
casa, lembro de um amigo, o Victor, relatando o quanto a família teve que
gastar para salvar a vida do cachorro que mora na casa dele, que a família
precisou tirar dinheiro de onde não tinha para não deixar o cão morrer. No fim,
o Victor disse pra mim “te prepara! Ter cachorro em casa é dar a vida por ele,
se necessário. Vocês vão precisar se sacrificar muito pela Penha, caso ela
precisa, e vocês não vão medir esforços pra isso”. Mais uma vez pensei “que
exagero!”, mas hoje, depois de sete meses de Penha na minha vida, vejo que não
é exagero nenhum.
Às vezes me flagro contando mil
histórias sobre a Penha, empolgada, com sorriso no rosto e achando o assunto
mais interessante do mundo. Às vezes me flagro até admirando as marcas de
arranhões e mordidas que a Penha deixa em mim durante as brincadeiras. Acho
todas lindas, gosto de mostrar aos amigos, conto rindo como a Penha fez isso em mim. Até esqueço de dói,
arde e incomoda. E daí? Ela brinca assim mesmo, é uma criança estabanada que
nem a irmã (no caso, eu!).
Quando viajei em setembro para
Fortaleza, a primeira saudade que tive foi da Penha. Quando viajei em dezembro
para o Rio de Janeiro, a primeira saudade que tive também foi da Penha (que
mamãe não leia isso e, se ler, que me perdoe). Quase choro de saudade quando
mamãe e Camila contaram que a Penha tinha menstruado, que agora era uma
mocinha. Mamãe me mandou uma foto da Penha vestindo calcinha e eu fiquei
pensando “Meu Deus! Eu não to do lado dela num momento como esse, não to
acompanhando de perto o crescimento da minha cachorrinha”. Sofri. E fiquei
buscando notícias e querendo ver fotos dela diariamente. Quando voltei, comprei
uma calcinha linda e fofa no Pet Shop pra Penha poder usar. Uma lindeza só!
A Penha foi incluída até nas
angústias sobre o meu futuro. Daqui há uns meses (ou daqui há uns anos)
precisarei sair de Belém para estudar e, agora, fico pensando “mas e a Penha? E
se acontecer alguma coisa com ela enquanto eu estiver fora?”. É horrível pensar
também que eu posso não ter mais como acompanhar todas as fases de vida dela.
Não sei mais como é chegar em casa e não ter a Penha pra me receber com uma
felicidade tão imensa e tão sincera que jamais vi na vida. Às vezes, já saio do
elevador pensando “de onde a Penha vai vir correndo dessa vez pra pular em cima
de mim?”. Não sei mais também como é sentar à mesa para comer e não sentir a
Penha deitando delicadamente entre os meus pés e me dando pena de me levantar
para qualquer coisa que seja.
A verdade, meus caros, é que
cachorros transformam a vida da gente por completo. Mudam a rotina e os
costumes da casa, as relações e os tratamentos, nos dão responsabilidades ainda
maiores, são incluídos nos planejamentos e nas histórias da família. E quem
disse que a gente reclama disso? Nunca! Brigamos com a Penha quando ela
apronta, nos estressamos muitas vezes, é claro. Mas nunca, nunca nos
arrependemos de tê-la dentro de casa, nunca deixamos de demonstrar amor por ela
em qualquer momento que seja. Rimos até de quando ela tenta nos expulsar do
sofá ou da cama para poder deitar. Abusada! E ela fica ainda mais linda quando
escuta a família reunida em algum canto da casa e quer participar da conversa a
todo custo. Afinal, filha e irmã caçula é assim, enxerida (eu que o diga!).
A verdade, meus caros, é que só quem tem ou já teve cachorro conseguirá entender minhas palavras, muitas escritas
com lágrimas só pensar em todo o amor que aprendi a ter pela Penha.
Te amo, cã!
PS: o post ficou muito grande, deu preguiça de revisar. perdoem os erros, caso haja algum. Obrigada! :)