sexta-feira, 2 de março de 2012

A Vida da Gente – Mais Um Capítulo da Nova Teledramaturgia Brasileira

O que dizer sobre A Vida da Gente? Uma novela que mexeu tanto comigo, mas tanto, que nem sei por onde começar. Talvez seja melhor começar pelo óbvio, pelo começo. Então vamos lá!

Eu tive a imensa sorte de acompanhar a novela desde o início, desde os primeiros capítulos, tentando recompensar o fato de não ter conseguido assistir à Cordel Encantado – que antecedeu A Vida da Gente e recebeu rasgados elogios dos telespectadores, incluindo minha irmã e minha mãe. No início, o que mais me chamou atenção em A Vida da Gente foi o fato de que os personagens pareciam ser reais, tirados da própria realidade. A relação de amor, cumplicidade, companheirismo, carinho e respeito entre as personagens irmãs Ana (Fernanda Vasconcellos) e Manu (Marjorie Estiano) parecia ter sido inspirada na minha relação com a minha irmã. Como assistíamos juntas, por diversas vezes nos emocionamos e choramos ao ver as lindas cenas entre a Ana e a Manu, porque lembrávamos da gente, da relação de irmãs que construímos desde a infância e que pouquíssimas vezes eu vi em outras famílias.

Mas não eram só as irmãs da trama que pareciam ter sido tiradas da realidade. Em uma conversa de bar, eu e minhas amigas chegamos à conclusão de que conhecemos na vida real pessoas que faziam o tipo dos personagens da novela. A Eva (Ana Beatriz Nogueira), por exemplo, é cruelmente real. Claro que na novela há um certo exagero nos personagens, porque enfim, é um telenovela. Mas muitas vezes me flagrei rindo ou até mesmo chorando ao ver cenas da Eva porque algumas, caramba, eram parecidas demais com cenas que eu já vi ao vivo e a cores, infelizmente! A verdade é que existem, sim, mães e pais como a Eva, quase ou no mesmo nível de loucura. A Vitória (Gisele Fróes), mãe da Sofia e da Bárbara na novela, também é outra que não é surreal, impossível. E o que dizer da Cris (Regiane Alves), mãe do Tiago? Do tipo dela nós encontramos muito por aí, geralmente em baladas de domingo a domingo e geralmente bem mais novas do que deveriam ser.

A Vida da Gente foi uma novela centrada nas mulheres, em que as elas eram o centro dos acontecimentos, as protagonistas das mais variadas histórias familiares exploradas na novela. E foi uma trama essencialmente familiar, justificando assim o título – e também a abertura. Com núcleos pequenos e interligados, A Vida da Gente mostrou exemplos muito concretos das novas famílias contemporâneas, com a figura do padrasto/enteado, da avó que atua como mãe, dos pais adotivos, dos irmãos de criação, dos pais solteiros... E provavelmente por isso, também, tenha feito tanto sucesso. Porque era impossível não ter o mínimo de identificação com algum personagem, mesmo que a identificação fosse do outro e não de si mesmo. Nem as novelas escritas por Manoel Carlos – famoso por fazer tramas centradas na realidade – conseguiu ser tão pé no chão quanto essa, explorando situações cotidianas de forma real, sem superestima, sem enrolação, sem excessos de personagens e sem a insuportável figura da Helena.

Fora que boa parte dos atores escolhidos para os personagens trabalhou tão bem, tão bem, que chegou a me surpreender. A Marjorie Estiano, por exemplo, conseguiu dar vida própria à Manu. Era quase impossível não chorar quando a Manu chorava e não rir quando a Manu ria. Marjorie e Fernanda (que melhorou bastante como atriz, por incrível que pareça) protagonizaram algumas das cenas mais fortes, emocionantes, tocantes e inesquecíveis da teledramaturgia. A cena do acidente, do choque emocional, da briga – que rendeu mais de 8 minutos de cena que, de tão emocionantes, a gente nem sentiu o tempo passar -, da reconciliação... cenas incríveis que dificilmente serão esquecidas por quem as assistiu. Outro destaque de atuação vai para a pequena Júlia (Jesuela Moro) que, no mínimo, é uma menina muito obediente, porque ela fez direitinho tudo o que era pra fazer. Foi encantadora e sapeca quando tinha que ser, chata e mimada quando precisou, alegre e sorridente também, e até no momento de ficar doente ela conseguiu impressionar. Ela fez tudo parecer natural, real e fez todo mundo querer ter uma filha que nem ela. E a Eva... essa merecia prêmio de melhor atriz coadjuvante, porque olha... arrasou!

Há algum tempo, a Globo tem usado o horário das 18h para a renovação: desde a escolha de novos dramaturgos, passando pelo teste de novas câmeras e novos ângulos, até chegar ao figurino. Deu certo com Cordel Encantado e deu certo com A Vida da Gente. Em uma discussão em sala de aula, na disciplina de Introdução ao Telejornalismo, cheguei a comentar sobre essas mudanças e a professora afirmou que, possivelmente, isso é reflexo da chegada da TV Digital à vida de mais e mais brasileiros. E o horário das 18h está servindo de incubadora para novos projetos em teledramaturgia. É bem possível que os novos dramaturgos utilizados para esse horário sejam, em breve, os novos dramaturgos do horário das 21h. Não é de hoje que este horário tem andado deficiente, com falhas graves nos textos e nas execuções, tramas fracas e apelativas demais, a exemplo da atual novela das 9, Fina Estampa, escrita por Aguinaldo Silva. O próprio Manoel Carlos talvez esteja precisando se aposentar, porque tem errado demais ultimamente. As novelas da 9 continuam tendo boa audiência porque são novelas das 9 e só. E mesmo assim já existe um diagnóstico de crise no horário há algum tempo.

Como disse o Tiago Paolelli, em um comentário no Twitter, A Vida da Gente tinha um texto muito bom e uma fotografia incrível, pouco vista em outros horários de outras novelas. Não vai demorar muito para que Lícia Manzo, autora de A Vida da Gente, seja usada em horário nobre. Inclusive, eu acho, sinceramente, que a novela deveria ser reprisada no horário das 21h para que mais e mais pessoas tivessem a oportunidade de ver uma boa telenovela, um exemplo de como as outras devem ser a partir de agora. E não é à toa, não é por simples fanatismo por telenovelas bem trabalhadas, que eu quero – e provavelmente vou – utilizar A Vida da Gente como estudo de caso para o meu TCC. Boa sorte pra mim e boa sorte para Amor, Eterno Amor, que já começa na próxima segunda com uma responsabilidade enorme pela frente: a de manter o padrão altíssimo das duas últimas telenovelas das 6!